Tuesday, January 07, 2014

Urdidura de sonhos e assombros, de Marcos Freitas

Escritor piauiense Marcos Freitas lança Urdidura de sonhos e assombros

Publicação: 17/09/2010 08:00 Atualização:
 

Existem pessoas que nascem em um berço tão sólido que seria improvável não vê-las atuando em alguma linguagem artística. O engenheiro piauiense Marcos Freitas é uma delas. Oriundo de uma família dedicada aos movimentos culturais, ele gosta de destacar que, além de seu pai, seus tios e seu avós terem sido escritores, a família foi a grande responsável pela fundação da Academia Piauiense de Letras, que contou com familiares como Lucídio, Clodoaldo e Alcides Freitas. “Minha parente Amélia de Freitas Beviláqua foi a primeira mulher a tentar integrar a Academia Brasileira de Letras, antes mesmo da Rachel de Queiroz”, completa.

Seguindo os passos, Marcos também tornou-se escritor e poeta. Hoje, ele soma 12 livros publicados. Entre eles estão três obras técnicas sobre engenharia e outras nove, todas de poesia. “Primeiro fui estudar para me tornar engenheiro. Só depois passei a me dedicar mais à literatura, já que infelizmente ainda não dá para viver de poesia”, explica.

A última obra, Urdidura de sonhos e assombros, lançada pela editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores (CBJE), é uma antologia que traz cerca de 250 poemas escritos entre os anos de 2003 e 2007, todos retirados das seis primeiras publicações do autor. “Urdidura junta textos produzidos em solo brasiliense, já que moro aqui desde 2001”, atualiza o engenheiro civil, que se mudou para a cidade por conta de sua posição na Agência Nacional de Águas (Ana).

Por escrever desde os 10 anos, o autor declara ter material acumulado, até dois romances que nunca foram impressos, mas que pretende lançar na praça em breve. Com 47 anos, além de ser letrista, músico amador e de possuir participações em diversas atividades, cargos de chefia e cursos voltados para a engenharia, Marcos se destacou em sua carreira literária por fazer parte do Coletivo de Poetas do Distrito Federal e por suas prosas contemplarem diversas antologias, como a Contos e crônicas livre pensador, da editora Scortecci; a Antologia de poetas brasileiros contemporâneos nº 4 e As 100 melhores poesias de 2004, ambas da mesma CBJE, que distribui seu último lançamento.

Marcos também possui uma obra chamada Staub und schotter (poeira e cascalho, em tradução literal para português), na qual uniu suas poesias feitas em línguas estrangeiras, como inglês, português, espanhol, italiano, francês e alemão; e já participou do projeto Poesia 10-10-10, ao lado do reconhecido poeta Nicolas Behr.

Trecho

Aflorações
fuga de corrente?
quem sabe
meu coração
não tem voltímetro
súbito?
quem sabe
meu trapézio
não tem lona
chuva de maio?
quem sabe
meu querer
não tem ensaio
desvario?
quem sabe
minha calçada
não tem meio-fio







APRESENTAÇÃO

Marcos Freitas chega, precocemente, à primeira antologia de poemas (2003-2007), num percurso de produção intensa e constante. Engenheiro como o nosso Joaquim Cardoso (calculista das obras de Niemeyer, na mesma Brasília em que agora, no ano de seu cinquentenário de fundação, vive Marcos Freitas). Cientista e poeta, uma combinação que vem das origens da poesia, quando o verso era também o curso e o discurso do saber científico, da poiesofia, da techné. Também o grande João Cabral de Melo Neto reclamava ser a poesia um exercício de engenharia, de engenho e arte. Marcos Freitas também é nordestino e atua na criação poética com suor e destreza, como queria o modernista Cassiano Ricardo:

POÉTICA

1
Que é a Poesia?

uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados.

2

Que é o Poeta?

um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.


(De Jeremias Sem-Chorar. São Paulo: José Olympio, 1964)

Marcos Freitas, no entanto, é um poeta lírico, mas também tem raízes sociais, e em versilibrismo avança no domínio de sua técnica, reconhecendo "um poema / tão denso e pequeno / que não cabe em si", que é o desafio. Síntese, amálgama, fusão de idéias e sentidos, e — por que não? — de mementos e sentimentos.

Poesia como um exercício de vida. Poesia e vida: "em letras garrafais/ te sinto/ e / te desejo/ como a uma botelha de absinto." Botelha, com origem no francês (bouteille), mas em português seleto, como o próprio absinto que o poeta evoca. Poesia é também estas coisas que vem das coisas, mas que são outras coisas, coisas que só existem na poesia, e que o leitor também aprecia, no caso, da própria garrafa-poema lançada ao universo.

Não é um poeta narcisista e ensimesmado. É um poeta da noite, das relações, dos acasalamentos. "Um jeito meio assim", casual, jovem, de um propósito construído na circunstância. Tátil. Verso solto, que é contido, mas também desprendido e sutil, que é um registro sensorial e ao mesmo tempo mental, recursivo, pois o poeta sempre volta à solidão e ao espelho. Os tais "momentos-intantes" de que nos fala Marcos em um de seus poemas.

Nordestino desterrado, levado a terras distantes. A outras línguas e experiências, guarda um tanto a aparência de um passado que ele mantém vivo —não apenas porque conserva a vasta cabeleira dos rebeldes, mas por manter uma dialética questão com o tempo: "o tempo passado,/ passado sem os meus. /o tempo futuro/ futuro para os seus?", diz no poema da Irreversibilidade.

Queiramos ou não, a poesia nos remete sempre à autobiografia, ao memorialismo, que não é apenas do poeta, mas sobretudo do leitor, que se identifica e se reconhece.

FOTO TABOCA
Quem não deixou
sua alma aprisionada
em 3X4
no lambe-lambe
do Seu Chiquinho
na Praça da Bandeira?

A poesia de Marcos flui e reflui. É relicário e é ofertório, como a sua/nossa Cajuina que é "pura, cristalina/ do Piauí, genuína". Ah, Marcos viveu na Alemanha, escreve seus poemas em várias línguas, mas tem um retrato ovalado na parede que ele trouxe do seu Piauí, naquela "difusa fronteira de tua (dele, nossa) verve fantasia."
De carne e sonho, de beijos e coices de amor, como queria Oswald de Andrade.

Antonio Miranda  


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