Monday, January 13, 2014

Bruna Beber lança 'Rua da padaria' e confirma seu lugar na poesia brasileira contemporânea

Poeta tem dicção própria e não tem medo de enfrentar o mundo e mergulhar na memória

André Di Bernardi Batista Mendes - Estado de Minas Publicação:11/01/2014 00:13Atualização:11/01/2014 10:21
 
Para a poeta Bruna Beber, “tudo é letra, palavra, e som”, que se transforma em memória, talento, poesia. A escritora carioca acaba de lançar, pela Editora Record, Rua da padaria, onde reafirma o seu estilo forte e despojado. Depois de A fila sem fim dos demônios descontentes, seu livro de estreia, publicado em 2006, depois de Balés, seu segundo livro, de 2009, depois de Rapapés & apupos, de 2012, Beber mira e aponta sua verve para o certo e prova que já deixou de ser uma promessa literária. Joveme audaciosa, Bruna mostra que tem fôlego e talento de sobra.

Bruna confunde o leitor. O melhor desta jovem poeta é que ela gosta das coisas necessárias: gentes, lembranças, pão e manteiga, que pode ser palavra e poesia. Beber escreve dentro de um processo legítimo de perdas e ganhos (mais perdas do que ganhos), a poeta escreve num turbilhão legítimo de legítimas intuições necessárias.

Esta boa poeta fala de preguiças e “perderes”, fala de dúvidas e lírios e canta suas dores, e canta suas perdas, principalmente sementes vindas da infância, boas matérias e substrato para o que há de melhor em termos de arte – e poesia.

Bruna transita, solta, entre esquinas e circunferências, entre “prédios que assistem os ônibus”, ela mesma a melhor observadora do mundo. É que os olhos dos poetas enxergam um ambiente de cores, é que a alma dos poetas bebem de um mundo que aceita todas as cores, do cinza ao branco, passando pelos azuis de céus e pelos lilases de pássaros indecifráveis até certo ponto.

Bruna molha suas plantas (seus versos, seus poemas), com o carinho, com o desvelo de quem merece e salva em si o que tem de melhor. Porque “tudo tem barulho de mar”, porque Bruna percebeu a alegria dos monges, porque Bruna sacou que tudo importa: do inseto ao céu, pois tudo vibra. Bruna adivinhou que existem cavernas e biritas, panelas, dinossauros alados. Só mesmo uma poeta para dizer e alertar: “tem mar de todo tipo.”

Bruna tem, acima de tudo, uma grande qualidade quando o assunto é poesia: síntese. Muitos poemas do livro carregam sóis inteiros, à maneira de haikais, luas que fazem nascer na página, no livro, a poesia. Bruna não desbanca a palavra, ela encara o verbo e com ele bebe e brinca até nascer o verso. Um verso inacabado por natureza. Uma poesia urgente de marulho e incerteza.

Um bom poeta é puro e cheio de urgências. É incrível o poder, a dimensão que ganha uma simples toalha bordada quando o branco, ou as cores possíveis de tal urdidura, ganham asas e estatura de coisa/poesia.

Por que padaria? Por que rua? Porque homem é sinônimo de fome, e poesia é um muito pão. Porque é nas ruas que a vida acontece, de forma vil e grotesca, a rua é o nosso ambiente mais familiar. Pão e circo: somos seres necessariamente famélicos.

Bruna sabe dizer de si e de nós. Ela transita para alertar. O que dói primeiro vai doer para sempre: pode ser uma música no parque, pode ser, e é, uma grande alegria que só sentem os homens, as avós, as tias, as mães, os pais, os filhos e os poetas, que são as pétalas da mais alta árvore. Bruna Beber tem poemas traduzidos e publicados na Alemanha, Argentina, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal. A poeta nasceu em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, em 1984.

RUA DA PADARIA

• De Bruna Beber
• Editora Record
• 68 páginas, R$ 25


Três perguntas para...

Bruna Beber
escritora

Como surgiu a inspiração para o título do livro?
A ideia para o título surgiu quando me dei conta de que queria explorar minha memória de infância no livro. Nasci e cresci na Baixada Fluminense. Não sei fazer o paralelo geográfico-econômico com Minas, mas é uma região de cidades-satélite do Rio. São municípios que têm sua economia própria, mas que não dão conta da sobrevivência de todas as pessoas, grande parte delas trabalha no Rio e na Zona Sul do Rio. Eu nasci em Duque de Caxias, onde morei até os 10 anos, e cresci em São João de Meriti, minha família ainda mora e se divide entre essas duas cidades. Minha avó morava num bairro de pequeno, cheio de pessoas de vários estados do brasil, sobretudo nordeste, que vinham tentar a vida no estado do Rio. Lá, na casa dela, passei boa parte da infância. Aquela coisa: uma igreja central, uma rua do comércio, uma rua dos ônibus. O açougue, a farmácia e a padaria eram grandes referências de localização, me dei conta disso depois que cresci, e também depois que conheci outras cidades pequenas. Sendo assim, as ruas não eram chamadas, na maior parte do tempo, por seus nomes, mas sim pelo estabelecimento mais importante localizado nelas. Minha avó e toda a minha família sempre se referiam a essa rua como “rua da padaria”, e assim o fazem até hoje. Daí a ideia de intitular o livro de Rua da padaria. Eu queria falar do pequeno para o grande, da minha “praça íntima”, mas também física, e homenagear não só a minha rua da padaria, mas as ruas da padaria que existem por aí.

Qual é a importância da memória para a sua poesia?

Nesse livro, especificamente, a memória tem um papel central. Houve um esforço de reconstituição, ou de construção mesmo, do que vivi ou de como imagino ter vivido. Quis pontuar algumas questões muito vivas daquela época – a cultura popular, os sotaques que se misturavam, a distância do mar, as brincadeiras, as primeiras paqueras, a escola, a convivência familiar numa família muito grande e unida, porém muito diversa, os eventos de cidade pequena etc. Só consegui escrever esse livro muitos anos depois de não só ter saído da casa dos meus pais, mas também do Rio, e de ter ido morar em São Paulo, onde vivo desde 2007.

Quais são os seus próximo projetos?

Em 2014 vou terminar de lançar/divulgar o livro que escrevi para crianças e lancei recentemente, o Zebrosinha. Estou envolvida em alguns projetos de literatura e vou dar também oficinas de poesia em alguns lugares do Brasil. Estou terminando de traduzir um romance e pretendo dar prosseguimento a uma narrativa longa que quero contar. 

No comments: