NA
TARDE QUE SE AVIZINHA
sejamos
eternos, querida,
mesmo
na plenitude de nossa ira.
chega
de nossos discursos prontos,
não
suportamos mais esperar o fim do verão.
estranhamos,
em silêncio, conselhos dos mais velhos.
tentamos,
inutilmente, reler os jornais passados;
o
que buscamos nas páginas surradas?
a
paisagem se adensa na geografia das ruas
de
nossa cidade desconhecida.
mergulhemos
no assombro de nosso desejo;
é
sempre possível a palavra mais pura e límpida, querida,
mesmo
fora de nosso dicionário.
o
cheiro do feijão, em panela de ferro,
reacende
o fogo de lenha da imaginação: o relógio da manhã.
herdeiros
de nossa própria memória,
divisamos
a rua de nossa fraqueza e ausência, na tarde que se avizinha.
o
leito seco do rio aguarda a estação chuvosa nas cabeceiras;
depositemos,
pois, iguarias e provisões na vazante de nossas horas.
sejamos
eternos, querida,
mesmo
na finitude de nosso dia.
NENHUMA
CARTA EM MEU NOME
de
soslaio
a
memória de teu rosto
cravado
na rocha da ausência: fotografia.
o
vento quente sopra a cor do esquecimento:
sombria
melancolia do dia-a-dia.
tentei
entender teu nome e nossos minutos
como
se houvera fruta na fruteira
de
minha existência.
o
domingo desabitado fareja o ronco do motor
de
meu carro empoeirado.
nada,
nada além de silêncio e pó.
há
mais de um ano, nenhuma carta em meu nome.
MINHA
SENHORA
não trago na sacola,
esmola.
trago apenas poesia, minha senhora.
não trago no corpo,
estorvo.
trago apenas magia, minha senhora.
não trago na voz,
algo feroz,
trago apenas cantoria, minha senhora.
não trago na mão,
flores.
trago apenas amores, minha senhora.
não trago no olho,
maldade.
trago apenas saudade, minha senhora.
não trago na vida,
glórias.
trago apenas memórias, minha senhora.
http://www.olegalmeida.com/page_25.html
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