Publicado em janeiro 22, 2014
Foto: Sanibel Sea School
Os cientistas ficaram horrorizados ao entrar no chuveiro e encontrar
pequenas bolinhas coloridas, de 2 a 3 mm de diâmetro, misturadas ao
sabonete líquido oferecido pelo hotel. Era o prenúncio de uma crise no
início da conferência sobre poluição nos oceanos promovida pelas
Nações Unidas em
Montego Bay, na
Jamaica, no fim de 2013, e que acontecia no mesmo lugar onde todos os 250 participantes estavam hospedados.
A reportagem é de
Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal
Valor, 20-01-2014.
A suspeita dos pesquisadores era de que o sabonete fosse um daqueles
produtos de higiene pessoal que vêm com microesferas de plástico. Elas
vêm sendo usadas nos últimos 10 anos pelos fabricantes de cremes de
barbear, xampus, esfoliantes e outros cosméticos. As estações de
tratamento de água não foram projetadas para reter partículas tão
pequenas e as bolinhas acabam indo da pia direto para os mares.
Plásticos são um grande desastre para os oceanos e ecossistemas
costeiros, e quanto menores, pior o estrago. Microesferas plásticas são
encontradas em ostras, mariscos e até baleias.
A conferência promovida pelo governo da
Jamaica e pelo
Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Pnuma)
debatia justamente os elos entre as atividades terrestres e seu impacto
no mar. O cenário não é animador: esgotos, produtos químicos e
plásticos estão transformando as costas em lixões, reduzindo a
biodiversidade marinha e aumentando as zonas mortas em todos os oceanos.
“Resíduos plásticos são um problema transfronteiriço clássico”, diz
estudo do Pnuma. “É possível recuperar uma parte através da limpeza das
costas, mas há muito mais em áreas não visíveis do oceano, tanto na
superfície como no fundo”, continua. “Os oceanos estão sofrendo e as
soluções não podem vir de um único país”, disse
Elizabeth Maruma Mrema, vice-diretora do
Departamento de Políticas Ambientais do Pnuma. “Temos que buscar parcerias, dividir as melhores práticas e o setor privado têm que estar a bordo”, continuou.
É difícil quantificar o volume de lixo que chega aos mares do mundo, só é possível fazer estimativas. Em 1997, a
Academia de Ciências dos Estados Unidos
estimou o volume em 6,4 milhões de toneladas anuais. Outros cálculos
projetam que 8 milhões de itens de lixo vão para os oceanos todos os
dias. Os navios seriam responsáveis por 5 milhões disso, segundo o
Pnuma.
Outras análises falam em 13 mil pedaços de lixo plástico flutuando em
cada quilômetro quadrado de superfície oceânica. Estima-se que 90% dos
esgotos dos países em desenvolvimento cheguem aos rios, lagos e mares
sem tratamento, sem falar no excedente dos produtos químicos usados na
agricultura – um fenômeno conhecido como ciclo do fósforo e do
nitrogênio. Segundo a
Global Partnership for Oceans, aliança internacional de governos,
ONGs e empresas, existem atualmente 405 zonas mortas nos oceanos – lugares onde a vida marinha não pode sobreviver.
Neste panorama, as microesferas de plástico aumentam o desastre. “Há
dois problemas complexos relacionados aos microplásticos: o físico, do
plástico que não degrada, e o químico, que tem a ver com o produto que
está dentro das microesferas”, diz o britânico
Peter J. Kershaw, especialista em ecossistemas marinhos. O pesquisador, que representa o
Gesamp (grupo de especialistas em oceanos que assessora agências da
ONU),
explica que os microplásticos foram usados há vários anos como
abrasivos na limpeza de prédios, e só mais recentemente chegaram à
indústria de cosméticos.
“Os grandes plásticos se quebram no mar e a limpeza fica cada vez
mais complicada, mas eles são visíveis, chegam às praias. Mas e o que
não vemos? E o que está no leito do mar?”, questiona. “Sabemos que os
microplásticos afetam a saúde de organismos marinhos. Foram encontrados
em moluscos, terão efeito na pesca. Têm um risco em potencial, que ainda
não conseguimos detectar claramente.”
Em 2011, a pequena
ONG holandesa
North Sea Foundation começou uma campanha pedindo às empresas que parassem de usar microesferas plásticas assim que possível. Outra organização, a
Plastic Soup Foundation,
juntou-se ao esforço. “Há lugares em que a concentração de plásticos no
mar é 20 vezes superior à de plâncton”, diz a ambientalista Maria
Westerbos, diretora da
Plastic Soup. As duas
ONGs
lançaram um aplicativo para celulares que funciona na Holanda e permite
aos consumidores escanearem produtos de higiene pessoal para ver se têm
ou não microesferas plásticas.
Fizeram mais que isso: pediram às pessoas que participassem de um
“tuitaço” solicitando à
Unilever que deixasse de usar microesferas em seus artigos. O esforço deu resultado imediato, diz
Westerbos. A
Unilever
anunciou que todos os seus produtos ao redor do mundo não teriam mais
microesferas plásticas até 2015. Outros grandes nomes do setor também
informaram que estavam parando de usar, algumas pedindo prazos maiores.
“Miramos os cosméticos, mas estou convencido que há microesferas em
muitos produtos que usamos”, diz
Jeroen Dagevos, gerente da
North Sea. “Não há legislação sobre isso ainda.”
No
Brasil, nenhum executivo da
Unilever quis falar sobre o assunto com a reportagem do
Valor.
A assessoria de imprensa enviou um comunicado da empresa no exterior.
Ali se lê que a Unilever utiliza hoje microesferas apenas em produtos
esfoliantes, pela sua característica de eliminar células mortas da pele,
e confirma a decisão de abandonar o material, em resposta à preocupação
de
stakeholders. Diz ainda que estão sendo pesquisados substitutos naturais.
Algumas estatísticas calculam que plásticos respondem por 90% da
poluição marinha. “Nosso foco é a poluição por plásticos. As pessoas
jogam fora, porque é um material feito para jogar fora”, diz
Daniella Russo, diretora-executiva da
Plastic Pollution Coalition,
uma rede de indíviduos, organizações e empresas. “É um produto difícil
de fazer, muitos não são recicláveis. As pessoas começam a entender que
suas atitudes têm que mudar”, continua. A organização está buscando
sensibilizar os jovens para o problema. “Trabalhamos em 120 campi
universitários no mundo que estão reduzindo seu uso de plástico. Todos
podem trazer de casa sua própria xícara e reutilizar a garrafinha de
água.”
A ambientalista aposta que alguns produtos têm seus dias contados.
“Canudinhos? Pode-se viver sem, acho. Banir o uso de sacolas plásticas
no mundo é algo que, definitivamente, vai acontecer um dia”, diz ela. “E
a razão disso é econômica, não ambiental: é caro para as prefeituras se
livrar das sacolas de plástico.”
Os ecossistemas costeiros contribuem com 38% do
PIB mundial, diz
Elizabeth Mrema, e as áreas de mar aberto, por outros 25%. Nas estimativas da
Global Partnership for Oceans, as perdas globais pela má exploração dos estoques pesqueiros foram de US$ 2,2 trilhões nas últimas três décadas.
A pressão sobre os oceanos tende a aumentar. Em 2015, as estimativas
projetam que um quinto da população mundial viverá em áreas costeiras.
Em 2030 perto de 5 bilhões de pessoas viverão em cidades, muitas a menos
de 60 quilômetros do mar. “Algumas destas tendências são inevitáveis.
Mas o mundo pode ainda determinar a quantidade e a qualidade dos
efluentes que chegam aos rios e mares se conseguir criar elos
sustentáveis entre cidades, áreas rurais e os ecossistemas ao redor”,
diz material do
Pnuma.
O desafio de proteger os oceanos não é simples. Se a meta for
preservar a biodiversidade marinha, os procedimentos são diferentes
daqueles dos ecossistemas terrestres. “A proteção da biodiversidade
marinha é complexa”, diz o professor
Richard Kenchington, do
Australian National Centre for Ocean Resources & Security (Ancors).
“Em terra, quando um sistema está ameaçado, é comum criar um parque
para protegê-lo. No mar, criar áreas protegidas é útil, mas complicado. É
preciso ter um conceito mais global.”
O australiano diz que aumentar a consciência ambiental sobre a
necessidade de se proteger as barreiras dos corais foi útil porque é
algo que as pessoas podiam identificar. “Os corais são como bonitos
jardins do mar, têm impacto visual, são um símbolo. Mas são tão
importantes quanto outros ecossistemas marinhos que são vistos apenas
por quem mergulha.”
A conferência na
Jamaica terminou com os
participantes reforçando a necessidade de se criar parcerias para lidar
com a poluição marinha. E com um alívio: as bolinhas do sabonete líquido
do chuveiro eram de material gelatinoso totalmente degradável.
Cor do mar jamaicano reflete o uso excessivo de fertilizantes agrícolas
A água do parque marinho de
Montego Bay é muito
verde, mas de perto a ilusão se desfaz: o mar do Caribe, naquele ponto,
não é o paraíso que se imagina. A água é turva e cheira estranho. É só o
barco se afastar da orla, dos esgotos e dos riachos para a água ficar
cristalina e exibir corais e cardumes. “Água verde é excesso de
nutrientes”, diz o guia
Wrenford Whittingham. “Isso não é bom.”
“Nutrientes” são nitrogênio, fósforo e potássio, além de outros
elementos essenciais para o crescimento das plantas e a produção
alimentar. A fertilização dos solos procura corrigir as carências, a
questão é encontrar o equilíbrio. A escassez, como acontece em países
africanos, empobrece solo e colheita. O excesso também é problema: não
aumenta a produtividade e contamina terra, água e ar, além de causar
impacto nos oceanos.
“O uso excessivo de nitrogênio e fósforo na agricultura chega aos
ambientes marinhos, causa a proliferação de algas e a consequente falta
de oxigênio na água e zonas mortas”, diz
Christopher Corbin, responsável pelo programa de política ambiental do
Pnuma no
Caribe. “O desafio é usar estes produtos de forma eficiente em terra e diminuir o impacto no mar.”
O uso de produtos à base de fósforo e nitrogênio dobrou nas últimas
décadas, embora em alguns países continue deficiente e em outros,
exagerado. “Cerca de 20 milhões de toneladas de fósforo são extraídas ao
ano e quase a metade chega aos oceanos, o que representa oito vezes a
taxa natural”, diz
Elizabeth Mrema, vice-diretora da divisão de
Implementação de Políticas Ambientais do Pnuma. “Temos que ter melhores políticas ou em dez anos vamos acabar com recursos dos oceanos.”
“A menos que alguma ação urgente seja tomada, o aumento da população e
do consumo per capita de energia e de produtos de origem animal irá
exacerbar as perdas de nutrientes, os níveis de poluição e a degradação
da terra”, diz o relatório do
Pnuma “Our Nutrient World”. O estudo foi feito pela
Parceria Global no
Manejo de Nutrientes (
GPNM, em inglês), uma aliança entre governos, indústria, universidades,
ONGs e agências das Nações Unidas.
“É preciso aumentar a eficiência no uso de nutrientes”, diz
Mark Sutton, do
Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido,
um dos coordenadores do estudo. Se a eficiência no uso de nitrogênio
aumentar em 20% em 2020, pode-se economizar 20 milhões de toneladas e
ter melhoras na saúde, no clima e na biodiversidade, diz ele.
O exemplo holandês mostra que é possível. O país chegou a usar 1000 kg de nitrogênio por hectare para fertilizar, diz
Jan Willem Erisman, do
Louis Bolk Institute.
“As algas proliferaram no Mar do Norte, piorou a qualidade do ar e da
água”, lembra. O governo limitou o uso e educou os agricultores sobre o
desperdício. “O consumo foi reduzido para menos de 400 kg por hectare
sem nenhuma perda na produção.”
(
EcoDebate, 22/01/2014) publicado pela
IHU On-line