Thursday, February 07, 2013

Mapa e outros três poemas - WISLAWA SZYMBORSKA


WISLAWA SZYMBORSKA

TRADUÇÃO REGINA PRZYBYCIEN
Mapa

Plano como a mesa
na qual está colocado.
Debaixo dele nada se move
nem busca vazão.
Sobre ele -meu hálito humano
não cria vórtices de ar
e deixa toda a sua superfície
em silêncio.
Suas planícies, vales, são sempre verdes,
os planaltos, montanhas, amarelos e marrons
e os mares, oceanos, de um azul delicado
nas margens fendidas.
Tudo aqui é pequeno, próximo, acessível.
Posso tocar os vulcões com a ponta da unha,
acariciar os polos sem luvas grossas.
Com um olhar posso
abarcar cada deserto
junto com o rio logo ali ao lado.
Selvas são assinaladas com arvorezinhas
entre as quais seria difícil se perder.
No Ocidente e Oriente
acima e abaixo do equador -
assentou-se um manso silêncio.
Pontinhos pretos significam
que ali vivem pessoas.
Valas comuns e súbitas ruínas
não cabem nesse quadro.
As fronteiras dos países mal são visíveis
como se hesitassem entre ser e não ser.
Gosto dos mapas porque mentem.
Porque não dão acesso à dura verdade.
Porque, generosos e bem-humorados,
estendem-me na mesa um mundo
que não é deste mundo.
Tem aqueles que

Tem aqueles que cumprem a vida com mais eficácia.
Põem ordem em si mesmos e a seu redor.
Têm resposta certa e jeito para tudo.
Logo adivinham quem a quem, quem com quem,
com que objetivo, por onde.
Batem o carimbo nas verdades únicas,
atiram ao triturador fatos desnecessários,
e a pessoas desconhecidas
de antemão destinam fichários.
Pensam só o quanto vale a pena,
nem um instante mais,
pois depois desse instante espreita a dúvida.
E quando recebem dispensa da existência,
deixam o posto
pela porta indicada.
Às vezes os invejo
- por sorte isso passa.

Coação
Comemos a vida de outros para viver.
A falecida costeleta com o finado repolho.
O cardápio é um necrológio.
Mesmo as melhores pessoas
precisam morder, digerir algo morto,
para que seus corações sensíveis
não parem de bater.
Mesmo os poetas mais líricos.
Mesmo os ascetas mais severos
mastigam e engolem algo
que, afinal, ia crescendo.
Custa-me conciliar isso com os bons deuses.
Talvez crédulos,
talvez ingênuos,
deram à natureza todo o poder sobre o mundo.
E é ela, louca, que nos impõe a fome,
e ali onde há fome
finda a inocência.
À fome se juntam logo os sentidos:
o paladar, o olfato, o tato e a visão,
pois não é indiferente quais iguarias
e em quais pratos.
Até a audição participa
no que sucede, pois à mesa
não raro há conversas alegres.
Para o meu poema

Na melhor das hipóteses,
meu poema, você será lido atentamente,
comentado e lembrado.
Em uma hipótese pior,
apenas lido.
Terceira possibilidade -
escrito, de fato,
mas logo jogado no lixo.
Você pode se valer ainda de uma quarta saída -
desaparecer não escrito
murmurando satisfeito algo para si mesmo.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/90516-mapa-e-outros-tres-poemas.shtml

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