Sunday, June 16, 2013

Tradutor fala sobre conexão poética entre Brasil e Japão



Em entrevista ao Correio, o poeta, tradutor e compositor Luiz Carlos Vinholes fala sobre as afinidades e diferenças entre a produção literária dos dois países

Publicação: 15/06/2013 09:11 Atualização: 15/06/2013 09:21
'A escrita ideogrâmica nos permite uma surpresa e um enriquecimento muito grandes, que agitam um outro setor de nosso cérebro. Acho que ela está cada vez mais influenciando a linguagem cotidiana. Todos os símbolos de trânsito são ideogramas' (Monique Renne/CB/D.A Press)
"A escrita ideogrâmica nos permite uma surpresa e um enriquecimento muito grandes, que agitam um outro setor de nosso cérebro. Acho que ela está cada vez mais influenciando a linguagem cotidiana. Todos os símbolos de trânsito são ideogramas"
 
O poeta concreto Haroldo de Campos o chamou de “Marco Polo do mundo literário japonês”. Era o reconhecimento pelo trabalho desbravador empreendido pelo gaúcho Luiz Carlos Vinholes para estabelecer uma conexão entre a cultura brasileira e a japonesa, numa época em que se desconheciam como seres de dois planetas distintos nos anos 1950. Vinholes é poeta, tradutor, compositor e funcionário aposentado do Itamaraty. Ele contribuiu também para a difusão da Bossa Nova no Japão: “Achavam que a Bossa Nova era só ritmo. Lutei para que entendessem que a Bossa Nova era uma maneira de harmonizar o canto.” E isso quando não havia ainda nenhum programa de governo para intercâmbio cultural entre os dois países.

Em colaboração com o arquiteto João Rodolfo Stroeter, Vinholes organizou em 1960, no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, a Exposição de Poesia Concreta Brasileira, a primeira do gênero promovida no exterior. Em 1963, montou, no teatro Sogetsu Kaikan, outro evento relevante, a Exposição Internacional de Poesia Concreta. As duas iniciativas tiveram importância crucial no estabelecimento de um diálogo entre os poetas concretos brasileiros e os japoneses, que descobriram afinidades no aspecto eminentemente visual de suas produções. Se a escrita ideogrâmica (chinesa e japonesa) tinha influído na própria concepção da poesia concreta, era como se essa proposta poética estivesse voltando para casa.

Vinholes estudou composição e flauta transversal na Escola Livre de Música da Pró-Arte, em São Paulo, com o compositor que introduziu a música dodecafônica no Brasil, Hans Koelreutter, de quem se tornou secretário particular. Sua produção passou pelo serialismo, pela concepção própria da técnica “tempo-espaço” e, inaugurando essa tendência na música brasileira, pela aleatoriedade. De acordo com o compositor Gilberto Mendes, Vinholes conseguiu fazer, com suas Instruções 1961 e 1962, uma música aleatória diferente tanto da dos europeus (Boulez e Stockhausen), quanto da figura mais importante na incorporação do acaso aos processos compositivos, o norte-americano John Cage. “Vinholes é autor de obra pouco numerosa, mas de alta qualidade e de interesse histórico”, escreve Vasco Mariz na História da música no Brasil.

Vinholes mora em Brasília desde a década de 1990 e completou, em abril, 80 anos. Também no presente ano, doou sua importante coleção bibliográfica de poesia japonesa e poesia concreta ao Espaço Haroldo de Campos, vinculado à instituição Casa das Rosas, em São Paulo. Parte deste acervo está em exibição, na Casa das Rosas, até o dia 21 de julho, na exposição Ideograma e Poesia Concreta. Também em sua homenagem foi realizado em São Paulo, no dia 26 de abril, o concerto “80 anos em 80 minutos”, com execução de obras de sua autoria. “Sempre me interessei pelas coisas novas, nunca pela quantidade, escrevi pouco e compus pouco. Quando sinto que repito, paro.” Nesta entrevista ao Pensar, Vinholes fala sobre os fundamentos da poesia oriental, a divulgação da Poesia Concreta no exterior e as afinidades e divergências com a vertente nipônica.

Phantom (fantasma), poema visual de Niikuni Seiichi (Seiichi Niikumi/Reprodução)
Phantom (fantasma), poema visual de Niikuni Seiichi
Como se deu a conexão com a poesia japonesa?

Fui ao Japão em 1959 para estudar a música da corte, na Universidade de Tóquio. Quando terminei o curso, recebi um convite da Usiminas para trabalhar na área de siderurgia, que eu desconhecia completamente. O crítico Mário Pedrosa era meu amigo, estava por lá e pedi um palpite, pois estava em dúvida. Ele disse: “Pede um salário bem alto, se eles pagarem, você fica”. Para minha surpresa, eles aceitaram. O que me valeu? Nos fins de semana, saía de Tóquio com o cartão de apresentação e, com isso, conheci os poetas e pintores de todas as regiões do Japão. Em Tóquio, decidi promover duas vertentes considerava inovadoras na cultura brasileira daquele momento: a Poesia Concreta e a Bossa Nova. As cartas dos imigrantes japoneses só falavam de plantações agrícolas, não havia nada de cultura. Os próprios japoneses duvidavam que algo tão avançando quanto a Poesia Concreta tivesse saído do Brasil. Mas o Brasil estava liderando um movimento internacional.

Como foram as exposições sobre Poesia Concreta no Japão?
Me deram um andar inteiro do Museu de Arte Moderna do Japão para mostrar a Poesia Concreta brasileira. O Haroldo de Campos era a ponte; o Augusto não gosta de escrever cartas e muito menos o Décio Pignatari.

Qual a singularidade da poesia japonesa?
Acho que se há alguma contribuição para a poesia ocidental, ela está relacionada ao hai kai. No mais, a literatura japonesa tem muito a ver com a literatura europeia. Já o chamado tanka e o hai kai influenciaram muito a poesia ocidental, de maneira inteligente ou simplista. A grafia japonesa é difícil de ser transportada ou traduzida para outras línguas.


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