'Um dia, descobri que dava prejuízo', diz Nando Reis
Nando Reis se prepara para um 2013 de
arrasar. Vai viajar muito com Os Infernais ("eu amo essa banda"),
levando...
Paulo Giandalia/AE
"AE"
Nando Reis se prepara para um 2013 de arrasar. Vai viajar muito
com Os Infernais ("eu amo essa banda"), levando o show Sei, baseado em seu mais
recente álbum, a todo o País. E também quer iniciar novos projetos pela
internet, agora que pegou gosto pela coisa – como está sem gravadora, resolveu
vender as 15 faixas do disco na rede mundial, ao estilo
"pague-o-quanto-acha-que-vale", e está gostando muito do resultado.
Aos 49 anos, top ten dos direitos autorais e com mais de 315
mil seguidores no Twitter e meio milhão no Facebook, Nando descobriu que pode
ser feliz como artista independente. Por isso, tomou as rédeas das finanças e
abriu uma empresa para administrar seus negócios.
O "ruivão" falou com a coluna na sala de estar de sua casa,
rodeado de discos antigos, CDs, livros, o Grammy Latino 2012 por De Repente (em
parceria com Murilo Rosa, do Skank) e, claro, muitos itens dedicados ao Tricolor
do Morumbi. "Tenho fé que vou ver, já nesta quarta-feira, meu São Paulo campeão
outra vez", diz, referindo-se à decisão da Copa Sul-Americana. "Desde que o
Muricy Ramalho saiu, a gente não ganhou nada. Mas estou esperançoso com o Ganso,
o cara é craque, é divino!".
Pai de cinco filhos, e casado pela segunda vez com a mãe de
quatro deles, Nando se revela um paizão e avisa que deu um tempo na análise –
talvez por causa dos Infernais. Se ele se deu alta? "Não, pulei o muro do
hospício". É, 2013 promete.
NANDO REIS - Por que resolveu lançar um disco na internet?
Porque eu faço discos e essa é uma ideia que está perdendo o
lugar dentro do mercado. Cabe a mim proteger o que eu tenho a oferecer. E as
lojas de discos estão fechando, a galope, porque não se compram mais discos. E,
se estão fechando, as pessoas não têm onde comprar meus discos. Por isso, abri
minha loja na internet – algo que só se tornou possível porque estou sem
gravadora.
NANDO REIS - E os internautas pagam o que quiserem pelas
músicas?
O problema é que, depois de 30 anos em gravadoras, eu realmente
não sei quanto cobrar. Fiquei muito tempo assistindo à filosofia das gravadoras
– do "lucro muito alto e muito rápido". Taí uma coisa que nunca entendi: por que
uma gravadora prefere vender dez por trinta a vender trinta por dez. Agora,
tenho a chance de descobrir quanto meu público está disposto a pagar.
NANDO REIS - E como está sendo?
Tem dias em que está mais alto, outros em que cai... Quando
aumenta muito, vendo menos. É mercado puro.
NANDO REIS - É um modelo a ser seguido por outros
artistas?
Não sei se serve para os outros. Mas serve pra mim.
NANDO REIS - Preferiu ficar sem gravadora já pensando em
iniciar esse processo na internet?
Nunca foi minha intenção ser independente, não era um sonho.
E, hoje, vejo como eu era acomodado... Só quando você sai é que percebe algumas
coisas, tudo que você perde. Porque as gravadoras são muito ortodoxas, pouco
flexíveis. Mas a verdade é que, matematicamente, eu era prejudicial, era
vermelho...
NANDO REIS - O "ruivão" era vermelho? Nando Reis dava
prejuízo?
Pois é, dava! (risos) Mas foi ótimo, porque percebi o
seguinte: eu é que deveria ter saído antes, sabe? Não acho que a música que eu
faço seja tão inviável assim. Mas foram 30 anos de bons relacionamentos na
Warner. Tanto que, quando fui renovar o contrato e eles me disseram "olha,
Nando, não dá", admito que fiquei um tanto chocado, tomei um susto.
NANDO REIS - Trinta anos enganando o público não deve ser
fácil...
(risos) Pensei: "O que vou fazer agora?" Mas fui sondado por
outras gravadoras e tive tempo de ver que a independência, neste momento, podia
ser bastante interessante. Até porque o modelo começava a ficar insustentável,
mordendo fatia de lucro dos shows – que é algo que eu não posso aceitar.
NANDO REIS - Aí você aproveitou a liberdade e foi gravar em
Seattle, com o Jack Endino, que já produziu Nirvana e Soundgarden. Por que?
Porque ele mora lá, eu queria um produtor como ele, na cidade
dele, no estúdio dele. E foi caro, viu? Mas um ponto importante é que eu preciso
estar muito concentrado para iniciar um processo de gravação. Como a minha
banda, Os Infernais, fica no Rio, para mim é ótimo, porque tenho a chance de
sair de casa, de cidade... Só que, desta vez, eu queria tirar também a banda do
ambiente dela.
NANDO REIS - E como é o seu relacionamento com Os
Infernais?
Nossa, eu amo essa banda! Ela está com sua formação mais
vibrante, a que mais me empolga. Pela relação que temos uns com os outros, pelo
som no palco, pela revelação que foi ver como cada um deles tocou na gravação
desse novo trabalho.
NANDO REIS - Depois de 30 anos de estrada, está onde imaginava
estar?
Nunca fiz esse tipo de projeção. Embora sempre tivesse desejo
de fazer o que faço. Desde pequeno. Como todo desejo, a gente nunca sabe o que
vai acontecer. Gosto, sim, do lugar que ocupo hoje. Mas penso também na
qualidade do que eu faço. E estou entre os dez que mais arrecadam direitos
autorais no País. Acho isso tão bizarro...
NANDO REIS - Por que?
Acho realmente intrigante. Claro, as pessoas me gravam. Mas...
não sei. Talvez tenha a ver com a colcha que eu costurei durante esses anos
todos. Nessa conta tem muita participação do meu trabalho com o Skank, por
exemplo. Sou parceiro do Samuel (Rosa), e o Skank é muito mais constante nas
paradas de sucessos, com músicas que eu compus, do que as minhas próprias
canções. Às vezes, acho espantoso. Em outras, concluo que tenho qualidade, estou
onde estou porque trabalhei muito, sou um cara dedicado, gosto do que faço.
NANDO REIS - Foi a tranquilidade financeira de ser um top ten
do Ecad que permitiu investir no projeto atual?
Estou dando um destino perfeito para o que arrecado com os
direitos autorais: meu trabalho. Porque, como eu disse, meu negócio é fazer
discos, gravar as músicas que fiz e apresentá-las ao público – que é quem faz
essa roda girar. Este disco que está na internet tem 15 composições inéditas e
uma delas, Sei, está fazendo muito sucesso nas rádios. Não há nada melhor do que
investir no próprio negócio.
NANDO REIS - Como vê a atual discussão sobre direitos autorais
na internet?
Não entendo como alguém pode achar que direito autoral não
deve ser pago na internet, só porque o conteúdo tem de circular livremente.
Existem bilionários na rede que se fizeram graças às ferramentas de circulação
de conteúdo. Mas, minha música faz parte desse tal conteúdo. Então, não me
venham com essa, de que tenho de ceder meus direitos em prol da democracia.
Democracia é o c...! Democracia não é nada disso!
NANDO REIS - E como acha que deveria ser?
Olha, na era digital, as músicas tinham de ter um código de
barras, e cada rádio devia ter um decodificador, e cada vez que um sujeito
tocasse a música, deveria pingar dinheiro em algum lugar. Então, aquele autor,
que tem uma canção só, que toca uma vez no sertão, deveria ganhar de forma
proporcional. Porque, hoje, é por amostragem, um negócio complicadíssimo, que
tende mesmo à distorção. É muito injusto. É preciso investir em tecnologia para
resolver esse problema.
NANDO REIS - O que é sucesso pra você?
Putz, eu penso em sucesso de uma forma diferente do que as
pessoas pensam. Por exemplo, há músicas que eu compus e que simplesmente não
aconteceu nada com elas, embora eu achasse que fossem ser grandes sucessos.
Claro que, na maioria das vezes, tenho noção do que vai se tornar hit – por
causa do ritmo, do refrão. Embora eu adore quando essas fórmulas são
transgredidas. Legião Urbana é um excelente exemplo do que eu estou falando:
imagina uma música de nove minutos, como Faroeste Caboclo, tocando em todas as
rádios! O sucesso é misterioso.
NANDO REIS - Trabalha contra a fórmula?
Tento, mas nem sempre dá certo. Porque, às vezes, a música
pede um formato consagrado. Essa canção da qual eu falei, Sei, é interessante.
Tem três minutos e meio, que é um tamanho-padrão do mercado. Porém, não tem
refrão. Mas eu não pensei em fazê-la sem refrão, não foi algo intencional. Acho
que todas as músicas deveriam ter a chance de tocar as pessoas. E é isso que eu
tento fazer nos meus shows. Há hits que eu toco para o público e que não foram
grandes sucessos de rádio. Como Relicário, All Star e Pra Você Guardei o Amor,
músicas com letras complexas. Pois são cantadas a plenos pulmões nos shows. Isso
é o que eu chamo de sucesso.
NANDO REIS - Tem ídolos?
Ídolos porque, quando eu era jovem, os idolatrei: Gil, Caetano
e os Novos Baianos. Hoje, não os idolatro, mas os coloco na posição de
formadores da estrutura do meu gosto.
NANDO REIS - Então, deve ter sido emocionante ter um texto do
Gil apresentando seu novo CD.
Fiquei honradíssimo, foi um elogio. Achei graça da forma como
ele escreveu, das coisas que revelou, incluindo o desconhecimento do meu
trabalho. Achei lindo o fato de ele ter ouvido meu disco, sabe? Fiquei
extremamente lisonjeado. Porque o Gil é fenomenal, um cara brilhante.
NANDO REIS - Você é perfeccionista?
Em algumas coisas, sou muito empenhado, tenho rigor. Em
outras, tenho uma intencional displicência, para manter um grau de humanidade,
de precariedade, que me interessa. Sou perfeccionista e imperfeccionista.
NANDO REIS - Continua fazendo análise?
Parei, temporariamente.
NANDO REIS - Resolveu se dar alta?
Não... pulei o muro do hospício (risos). Tô refugiado. Fiz
análise durante muitos anos. Minha mulher é psicanalista, meus filhos fazem
análise. Acredito na ideia de que é melhor saber do que não saber.
NANDO REIS - Com cinco filhos, sua casa é do tipo que vive
cheia?
Pois é... estou casado outra vez com Vânia, que é mãe de meus
quatro filhos mais velhos. Theodoro tem 26 anos e uma filha, Luzia. Sophia tem
24 anos e está morando, temporariamente, comigo. Sebastião, de 17, e Zoe, de 13,
moram comigo e também com a Vânia... É que, embora casados, a gente vive em
casas separadas. Eu viajo muito. Às vezes, a casa fica vazia; outras, está
cheia, todo mundo aqui. O importante é que eu tenho uma família e convivo muito
bem com ela. Meu quinto filho é o Ismael, que mora no RS, com a mãe, a Nani. Tem
6 anos e viaja muito comigo e com a banda. É todo mundo muito amigo – algo muito
singular, uma fórmula que funciona pra gente.
NANDO REIS - Apesar de passar muito tempo longe, por causa dos
shows, e de ter essa família fora dos padrões, você se considera um bom pai?
Acho que sou um ótimo pai. Pelo princípio que define pai e
mãe: a relação amorosa de admiração e respeito pelos filhos. Tenho interesse por
eles, gosto deles. Quando o Theo nasceu, em 1986, eu tinha 23 anos, era muito
jovem. Hoje, estou entrando na minha quarta adolescência, a da Zoe. Assim como
indivíduo, como pai eu também me desenvolvi. Acho que fui um bom pai até quando
agi mal, como um pai real. Ser um bom pai é ser um pai verdadeiro, uma pessoa
verdadeira. E isso eu sou.
NANDO REIS - É melhor ser adolescente hoje ou na época em que
você era adolescente?
Se é melhor hoje do que nos anos 80? Não. Quer dizer, tem
muita coisa igual, que pertence ao fato de você ser adolescente. Mas, hoje... é
muito mais violento. Na minha época não era assim. Não estou glamurizando os
anos 80, não! Mas hoje está muito pior. Tem muita gente no mundo e, como o mundo
não sabe o que fazer com tanta gente, as pessoas vivem mal e ficam tentando
tomar as coisas umas das outras. Claro que hoje existem milhares de coisas que
essa garotada adora... Imagina se eles conseguem viver num mundo sem
computadores.
NANDO REIS - Não curte computador?
Não é isso. É que gostava muito também do mundo sem
computadores (risos).
Fonte: http://estadao.br.msn.com/cultura/um-dia-descobri-que-dava-preju%C3%ADzo-diz-nando-reis
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