Wednesday, October 24, 2012

O poeta dos outros

Literatura24/10/2012

Em passagem por Fortaleza, o poeta Francisco Alvim, celebrado como um dos maiores autores brasileiros vivos, falou sobre sua poesia e o eterno risco da palavra
IGOR DE MELO
Alvim: "o leitor tem que ter essa reação muscular, tão intensa quanto quem está escrevendo"
 

“Pois a poesia/ quando ocorre/ tem mesmo a perfeição/ do metro —/ nem o mais/ nem o menos/ — só que de metro nenhum/ um metro ninguém/ um metro de nadas” - trecho do poema “O Metro Nenhum”,
de Francisco Alvim
O poeta mineiro Francisco Alvim esteve pela primeira vez em Fortaleza semana passada, como convidado do Festival UFC de Cultura para lançar seu último livro, O Metro Nenhum (Companhia das Letras, 2011). Diplomata aposentado, Alvim surgiu como poeta na primeira geração da “poesia marginal”, ao lado de nomes como Cacaso, Geraldo Carneiro, Chacal e Roberto Schwartz, na década de 1970, publicando suas primeiras obras em edições artesanais - foi o caso de Sol dos Cegos (1968) e Passatempo (1974), entre outros.
Apesar da carreira de mais de quatro décadas, nunca foi de escrever muito. O Metro Nenhum, por exemplo, saiu mais de 10 anos depois de Elefante (2000), até então sua última edição de poemas inéditos. Aos 74 anos, reconhecido como um dos grandes poetas vivos do País, ele ainda prefere prestar homenagem aos seus grandes mestres e se diz talvez tão ou mais inseguro do que quando ainda era um aspirante à arte poética.
O POVO – O título do seu último livro remete a uma capacidade da poesia de apreender o que não tem tamanho. É assim que o senhor a concebe?
Francisco Alvim - A poesia é em si uma coisa extraordinária. É uma aderência que a poesia tem às coisas, não só aos objetos, a tudo, é uma aderência que a prosa não tem. O que significa essa aderência? Ela capta realmente uma quantidade de ângulos e dimensões e não tem compromisso, vamos dizer assim, com a lógica dos fatos, a sequência dos fatos, a realidade que ela cria é uma realidade que de certa forma transcende a coisa imediata em si, as aparências da coisa, não é uma transcendência espiritualizada, é uma transcendência da própria matéria, é uma complexidade de matéria que a poesia tem... Isso dificulta muito também, porque nem tudo é poesia, e o que não é poesia aparece... A poesia é um gênero frágil – o que não é, boia. Às vezes você acha que está fazendo uma poesia, mas você não está fazendo um poema, você está se iludindo, está iludindo o próximo. Quer dizer, é um gênero complicado.
OP - Bartolomeu Campos de Queirós fala da necessidade de uma “musculatura leitora”. Existe a necessidade mais específica de uma musculatura poética?
Chico Alvim - Sem dúvida. Aliás, isso é uma coisa interessante que ele diz, é um autor que eu tenho ouvido falar muito e ainda não li, parece que é um livro extraordinário o Vermelho Amargo. Tudo que é nervo, tensão, tudo que leva a essa questão, no fundo você pode de certa maneira concluir e agrupar nessa palavra “músculo”, porque realmente é uma postura que não é passiva, é uma coisa reativa. Você precisa ter na poesia uma postura não de receptor apenas, sobretudo na poesia contemporânea, porque é uma poesia cheia de contrastes, paradoxos.
OP - A poesia contemporânea que você fala é a que vem desde o Modernismo, não é?
Chico Alvim - Desde o Moderno, inclui tudo. O Moderno começa mais ou menos com (Walt) Whitman (1819-1892), com (Charles) Baudelaire (1821-1867), e vem até o pessoal de agora e vai ganhando em complexidade, por isso que produz muitas queixas também. Quer dizer, se distanciou do público, as pessoas acham que o poeta virou uma coisa absolutamente nefelibática, cheia de complexos de mais. Enfim, há uma dificuldade de apreensão, mas precisa, daí a musculatura do leitor. Já não é mais aquela poesia que lhe chega gratuitamente, você tem que ter uma iniciação. Claro, existem poesias em diferentes níveis, tem uma que se faz num nível de ingenuidade, que pode ser mais acessível, mas em geral a poesia contemporânea exige do leitor um preparo.
OP – É curioso porque sua poesia não é entretenimento, mas é muito divertido ler Francisco Alvim. Dá pra gente falar um pouco sobre essa diferença?
Chico Alvim - Os meus poemas lidam basicamente com situações de carência, e situações de dificuldade conflitivas muitas vezes. Ao mesmo tempo, tem um dado de ironia, de distanciamento, de humor, que às vezes dá exatamente ao leitor uma possibilidade de encarar aqueles fatos, que em si são fatos dilacerantes muitas vezes, de uma maneira um pouco recuada, de uma maneira que eles também não se envolvam muito. É um jogo de atração, mesmo que seja às vezes pra uma vertigem, às vezes ele vai se encontrar numa situação que ele não teria muita vontade de estar. Mas o leitor tem que ter essa reação muscular, tão intensa quanto quem
está escrevendo.
OP – O senhor foi ao mesmo tempo um poeta marginal e um diplomata. Isso era uma contradição na sua leitura?
Chico Alvim - Nessa época existiam no Itamaraty grande figuras, grande literatos, porque as possiblidades de profissão eram reduzidas. Hoje você já tem poetas na academia, você já tem jornalistas, você tem escritores, tem até gente que vive de poesia, a coisa ficou diferente. Mas na tradição da minha geração o Itamaraty era muito forte, tinha Cabral... Uns exemplos assim. É claro que você não vai ser o Cabral, jamais, imagina, você terá a dimensão que a sua literatura tiver. Ter a altitude de um Cabral, de um Guimarães (Rosa), é uma coisa raríssima, aquilo era a “Idade de Ouro” da nossa literatura... De fato, vivi como uma contradição, mas não foi a única. A vida é cheia de contradições. Foi a maneira que eu tive de me safar, não é? Mas não foi uma coisa voluntária, era uma profissão que eu escolhi, que eu tinha que escolher, uma profissão que me deu muitas coisas, me tirou outras tantas, mas como tudo na vida você paga o preço, nada é de graça. Enfim, o fato de ser marginal, isso é a coisa do tempo, a poesia era muito mais, vamos dizer assim, foi uma poesia muita mais crítica, pelas condições históricas muito pesadas, vivendo a vida muito criticamente, politicamente, e eu dentro de uma instituição política, de Estado... Quer dizer, uma coisa complicada.
OP - Como é viver a poesia na maturidade, com um domínio da linguagem e do que quer da poesia?
Chico Alvim - Esse é um problema, porque, de certa maneira, por uma deficiência minha, eu nunca me senti muito seguro, dono de uma linguagem. Eu acho que a minha linguagem às vezes me parece muito pobre. Eu gosto muito de ler poesia, então leio poetas extraordinários, e quando eu vejo mais ou menos o que eu faço e vejo o que outros fazem, eu tenho frequentemente um sentimento de pobreza...
OP - Está falando de quem especificamente?
Chico Alvim - Só falando dos brasileiros, primeiro Drummond, o poeta que me acompanhou a vida inteira. Cabral, Vinícius... Mas, enfim, não me sinto dono. Com a mesma insegurança que eu fazia aos 16, 18 (anos), eu faço agora, sendo que talvez com mais segurança eu fizesse aos 16, porque as influências de fora eram mais fortes, a presença de um Drummond, de um Cabral, segurava o estilo. E agora não, eu só tenho o meu próprio.
 
ENTENDA A NOTÍCIA
O poeta Cacaso definia Alvim como “o poeta dos outros”. “Meus livros têm um forte lastro de minha experiência pessoal. Partem dela para chegar à do outro, para sentir e pensar a do outro”, Alvim afirmou em entrevista à Folha de São Paulo
SERVIÇO
O METRO NENHUM
O que:
livro de poesias de Francisco Alvim.
Editora Companhia das Letras,
96 páginas.
Quanto: R$ 33
 
 

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