Wednesday, March 20, 2013

Águas, o que fazemos por elas?


(*) Marcos Airton de S. Freitas 1
(*) Fred Maia 2

No dia 22 de março passado comemorou-se o Dia Mundial da Água e no dia 5 de junho próximo comemorar-se-á o Dia Mundial do Meio Ambiente. Mais do que comemoração, as datas exigem reflexão: o que estamos fazendo com nosso meio ambiente, com nossas águas? O que estamos fazendo por nossos mananciais e rios? O que os rios significam para nós? O que está acontecendo com eles?
É inegável a contribuição dos rios na história humana. Praticamente, todas as grandes civilizações foram mantidas e guiadas pelos rios. Podemos citar algumas: a civilização egípcia ergueu-se no rio Nilo; as tribos e povos do Oriente Médio acamparam milenarmente às margens dos rios Tigres e Eufrates; os hindus consagram o Ganges [hindu - do sânscrito sindhu, ‘rio’, pelo persa hindu, ‘do vale do rio (Indo)’, fonte: Aurélio]; os asiáticos veneram o Mekong e o Amarelo; os americanos do norte cantam blues ao Mississipi; os americanos do sul irmanam-se no Amazonas e os europeus refletem suas vidas e moradas nos espelhos do Reno e Danúbio. E no Piauí? o rio Parnaíba - o “Velho Monge”, na visão do poeta maior do estado -, é um rio cada dia mais velho e cansado de sua labuta, desde suas nascentes até o seu magnífico delta, independentemente de como o queiram denominar. Os rios têm, portanto, significado social, cultural e religioso.
Como não poderia ser diferente, a origem e o desbravamento do Piauí deu-se graças aos rios. A primeira fazenda de gado foi fundada às margens do “Mocha”, em Oeiras. Fala-se que Domingos Jorge Velho, alcançou o nordeste do Piauí por meio da falha geológica do rio Poti, com seus maravilhosos câniones. Em seu período de estiagem, o rio Poti quase sempre se transforma num tapete verde de aguapés devido, muito provavelmente, aos nutrientes provenientes dos esgotos lançados na região urbana de Teresina.
Enquanto os rios nos possibilitam inúmeros usos, tais como a geração de energia, a navegação, o abastecimento de água (doméstico e industrial), a dessedentação animal, o lazer, a pesca etc, cabe-nos perguntar: o que estamos fazendo com eles? Transformando-os meramente em desaguadouros de todo o lixo da civilização moderna? Freqüentemente, encontramos de tudo em nossos rios: armários, guarda-roupas, geladeiras, pneus velhos, computadores e toda sorte de quinquilharias.
Os rios, assim como seus lagos e lagoas marginais, devem ser preservados em sua dinâmica, em termos de quantidade e qualidade. Os recursos hídricos são elementos fundamentais não só para o desenvolvimento econômico, mas também para a preservação da biodiversidade.
A Constituição Federal, de 1988, em seus artigos 20 e 26 declara as águas bens públicos, de domínio da União e dos Estados, e passíveis de outorga.
O rebaixamento do lençol freático devido à super-explotação dos aqüíferos, na região de Picos, o desperdício de água em dezenas de poços jorrantes na região do Gurgüéia, o aterramento de inúmeras lagoas marginais (estimadas em cerca de 130 pelo ilustre geógrafo e professor João Gabriel Baptista; só na bacia do rio Piauí são mais de 30) são exemplos de problemas, apontados em diversos estudos e diagnósticos realizados, ainda a demandar soluções.
Felizmente, depois de discussões iniciadas pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos - ABRH, o Brasil ganhou uma Lei das Águas, a Lei 9.433/97, que vem, com bastante esforço, mas com êxito, sendo implementada.
Entretanto, o desmatamento indiscriminado de imensas áreas nativas - a exemplo da Serra Vermelha -, do ainda não implantado Parque das Nascentes do rio Parnaíba, da Chapada Grande e de inúmeras matas ciliares, é uma grave ameaça à fauna e flora, podendo causar danos inimagináveis às zonas de recarga e nascentes dos cursos d´águas.
Um rio é a contribuição de todos os efluentes, que conjuntamente com a rede de drenagem, florestas e solos compõem a bacia hidrográfica. Portanto, não se pode reduzir um rio a sua calha principal. Os cursos de água têm sua capacidade de diluição e auto-depuração. Para uma mesma carga de efluentes, em geral, quanto maior a vazão do rio maior será sua capacidade de diluição. Restringir ou priorizar o tratamento dos esgotos das cidades à margem da calha do rio principal não resolve o problema no todo. Melhor e mais eficiente, possivelmente, seria tratar os efluentes dos municípios localizados à margem dos afluentes, de vazão relativamente menor.
O Piauí vive um momento excepcional de crescimento e desenvolvimento social, mas precisa combinar esse crescimento, com o desenvolvimento sustentável e respeito aos seus bens naturais. Provavelmente, o motivo do atraso histórico do Estado advenha da incapacidade gerencial de uma oligarquia feudal, herdeira das sesmarias, que transformou a terra em latifúndio improdutivo. Como resultado desse processo, surgiu uma população famélica, empobrecida e destituída de direitos. O poeta Carlos Drummond sinaliza: “existe a coisa e a sua sombra” e, o povo, sabiamente afirma: há males que vêem para o bem.
Esse processo de não-ocupação da terra pelo trabalho e a lavoura - que tanta miséria causou -, permite hoje ao Piauí, a existência de enormes áreas verdes, ricas em biodiversidade e possibilidades de manejo, que deverão ser transformadas em riqueza sustentável para a sua gente.
A ocupação da terra, tarefa necessária para o crescimento e desenvolvimento sustentável do agricultor familiar piauiense, não pode desconsiderar as águas: nascentes, cursos, lagoas, lençóis freáticos -, sob risco de perder o Piauí, o seu maior bem: a bacia hidrográfica do rio Parnaíba, que é formada por centenas de rios ameaçados.

1) Engº Civil, professor universitário licenciado e pós-graduado em meio ambiente, recursos hídricos e gestão pública
2) Jornalista, ex-gerente de Articulação Institucional do MINC

* Matéria publicada no Jornal Diário do Povo, 02 de junho de 2008.
 
 

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