Chico Miguel e sua antologia (1)
(*) Herculano Moraes
Ouçam o que disse, em 1978, a professora de Literatura Brasileira
Rejane Machado, no texto a que deu o título “Para entender Francisco”:
“Pedra em Sobressalto é um salto sobre a pedra. Alguns doa seus belíssimos poemas nos semelham modernos cromos, apesar de sua forma contida, lixada, das imagens depuradas”.
“O que nos transmite em seus versos é a realidade ambiental, particular, subjetiva. Os sentimentos do poeta gravitam em seu redor, emprestando-lhe seiva; e dela surgem e saltam lembranças que transcendem o objetivo inerte e bruto”.
Mais ou menos na mesma época o romancista O.G. Rego de Carvalho expôs a seguinte opinião:
“Francisco Miguel de Moura cresceu na minha admiração e hoje o posso citar como um dos maiores poetas do Piauí, ao lado de Da Costa e Silva e H. Dobal”.
Pedra em Sobressalto, na segura análise de Hardi Filho, projeta Chico Miguel apara além de nossas fronteiras.
Homem simples, é estreitamente ligado à sua terra e ao seu povo e por isto mantendo com este uma identidade fundamental na construção de sua rica poesia.
Água, pedra, areia, terra e ternura são alguns elementos que compõem o universo poético de Francisco Miguel de Moura.
Dos três principais nomes do Circuito Literário Piauiense – CLIP, que comemora 40 anos de sua existência, Francisco Miguel de Moura sempre esteve no centro das vertentes poéticas gerados por nós.
Hardi Filho sempre foi o poeta amoroso, sentimental, ardente. De poesia ao mesmo tempo espiritual e temporal, buscando respostas para as indagações que lhe incomodam e tendo a mulher, a sua mulher, Adélia, como motivo de suas mais ingênuas confissões. Nítidas influências de Cruz e Sousa e Celso Pinheiro, mas íntegro e livre na lavratura do verso.
Minha poesia atravessou alguns estágios. Era, no princípio, arrebatamento, revolta contra as injustiças sociais, a paixão pela terra, o amor pelas mulheres, raízes telúricas expondo as feridas do tempo. Na essência da criação poética, os sonhos de Castro Alves e Vinícius de Moraes guiavam meus passos.
Francisco Miguel de Moura, desde Areias, já revelava essa dimensão singular. Poesia enxuta, sem artifícios, modelada como se fosse um artesão talhando a pedra. Escoimada dos excessos encontrados na poesia adolescente que escrevemos há quatro décadas.
O crítico literário Campomizzi Filho, em artigo ilustrativo na “Folha de Ubá” – Minas Gerais, identificou a crença e o amor como elementos substanciais na poesia de Francisco Miguel – “O caminho da redenção do poeta”.
Esta Antologia, cujo lançamento faz parte das comemorações dos 40 anos do CLIP, revela a grandeza de um poeta que consegue construir sua obra tendo, como obstáculo, o isolamento de um Estado invisível aos olhos do Mundo, cujas autoridades não conseguem romper os preconceitos claros e injustificados contra a arte, a cultura, a história do nosso povo.
De tudo o que produzimos pouco ou nada chega ao conhecimento da sociedade brasileira. Aqui mesmo entre nós o esforço de poucos que se concentram em demonstrar a grandeza de nossas manifestações não recebe o necessário apoio.
Chico Miguel e sua Antologia (2)
(*) Herculano Moraes
Esta casa (a Academia) tem promovido excelentes eventos – desde
posses magníficas, com orações memoráveis, a lançamentos literários de porte, sem que a imprensa e a TV dêem qualquer importância.
Mas existem os que não se conformam e mantêm com intelectuais e editoras do país o necessário diálogo. Francisco Miguel de Moura tem jornais e revistas de circulação nacional, colocando-se entre os autores piauienses mais conhecidos nacionalmente.
Esta coletânea é “uma antologia sem arestas, ampla em seu universo de alumbramentos, é o que é no justo espaço em que se concretiza como facilidades mercantis do verso ruim, que em má hora propaga-se como peste, ceifando os derradeiros ecos de beleza”. Quem diz isto é R. Leontino Filho, cuja análise mergulha na essência da palavra vinculando o criador ao elemento de sua criação.
Na pg. 13 da Antologia, um passeio na epígrafe de tantos quantos leram e compreenderam a sua poesia: Henriqueta Lisboa, Lygia Fagundes Telles, Fábio Lucas, Stella Leonardos, Fernando Py, Homero Silveira, João Felício dos Santos, Leila Míccolis, Joanyr de Oliveira, Nelly Novaes Coelho, Nilto Maciel, Dalila Teles Veras, Antônio Carlos Vilaça, Rosa Kapila, Assis Brasil e outros mais, críticos inumeráveis, jornalistas, simples leitores, todos encantados com a poesia de Chico Miguel.
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Somos três a abrir as cortinas da história cultural do Piauí quatro décadas atrás. Logo depois éramos quatro, com a chegada de Tarciso Prado; e logo mais cinco com Osvaldo Lemos, seis, dez, centenas. Muitos se engajaram nesse sonho. Tantos outros caminharam conosco nesta jornada nebulosa. Enfrentando os riscos de um regime autoritário, a censura... o fantasma do comunismo na cabeça dos generais, o arbítrio, a perseguição, a tortura moral, a violência contra as idéias, a proibição do direito de dizer e pensar.
Mas fomos pensando e fomos dizendo, às vezes no silêncio dos quartos iluminados a lamparinas; às vezes nos debates clandestinos no quintal de nossas casas, onde líamos o que havíamos produzido.
Depois levamos para as salas de aula, inúmeras vezes expulsos pelos diretores de escolas que não queriam problemas com a “redentora”. Logo depois estávamos promovendo a literatura nas emissoras de rádio, nos auditórios e nos livros. A Polícia Federal proibiu a circulação de Meus Poemas Teus, mas a vingança veio através do Hardi Filho, que criou um pseudônimo denominado Pipinela. O sobrenome era uma metáfora. Era preciso fazer pipi sobre o regime. Mas os militares não conseguiram decifrar este enigma.
Somos uma família. Sempre fomos uma enorme família. Une-nos o ideal de construir. Tragédias pessoais, acontecimentos infaustos, desvios, nada disto interfere em nossos sonhos, pois somos uma família que se alegra com as vitórias de cada um. Não nos move a inveja, nem o ressentimento, nem a tristeza. Se eu pudesse dizer que tipo de sentimento resume a existência da CLIP, diria que todo esse complexo desprendimento tem a alma de uma mulher de nome Adélia, que conhece as entranhas deste movimento.
Se fosse possível demonstrar numa só pessoa as explosões de indignação, de descontentamento contra a censura, de revolta contra as injustiças, de força contra o arbítrio, instrumento desse enorme complexo de vivência do CLIP, diria que esses sentimentos estão vivos na figura emblemática de Tarcisio Prado.
Esta Antologia contém os poemas que o Autor mais gosta. Aqueles que marcam e definem suas doutrinas, que espelham sua alma, projetam seus sonhos, que renovam suas células, que demarcam limites, que vicejam esperanças. São poemas reveladores do seu caráter de poeta afeito aos temas universais, mas sem perder a raiz de suas nascentes, a primeira água de sua correnteza, ele que é rio, mar, terra, sargaços e infinito, anjo e demônio, prosador e poeta, cronista, romancista, articulista, biógrafo, semente espiritual da arte literária.
(*) Herculano Moraes é membro da Academia Piauiense de Letras e apresentou o poeta Chico Miguel, também da APL, no lançamento da “Antologia”, no Auditório da Academia, em 12.05.2007.
http://www.diariodopovo-pi.com.br/opiniao.php
Veja poemas de Francisco Miguel de Moura em:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/piaui/francisco_miguel.html
Friday, August 10, 2007
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