6 de março de 2015 - 13h14
Letras
vermelhas é uma página dedicada à divulgação de novos poetas
brasileiros, de diferentes linhas de pesquisa estética, que publicam
seus poemas em blogues, sites, revistas literárias e livros editados por
selos independentes.
Arquivo pessoal
Chiu Yi Chih é escritor, performer e mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo
Os jovens poetas participam de recitais e festivais de poesia,
que acontecem em espaços culturais, bares, livrarias e adotam várias
formas de comunicação poética, do poema visual à performance, da poesia
cantada ao oriki, ao haicai e ao poema em prosa.
Os temas abordados por eles vão da denúncia da violência urbana à
celebração do corpo, do pensamento, da afetividade e da própria
linguagem poética.
A partir desta edição, Letras vermelhas apresentará aos leitores alguns
dos autores que se destacam no panorama da novíssima cena literária
brasileira pela originalidade e consistência de seu trabalho.
O poeta que inaugura a seção é Chiu Yi Chih, nascido em 1982 em Taiwan e
radicado no Brasil. Escritor, performer e mestre em Filosofia pela
Universidade de São Paulo, é autor do livro Naufrágios (Rio de Janeiro:
Multifoco, 2011) e criador da Metacorporeidade e do LOZ-2962 Studio com o
escultor Irael Luziano.
Chiu escreve no blog Philomundus.
A seleção dos autores apresentados em Letra vermelha é feita pelo poeta
e professor de literatura portuguesa Claudio Daniel, que foi curador de
literatura e poesia no Centro Cultural São Paulo e hoje é colunista da
revista Cult.
Veja três poemas de Chiu Y Chih ilustrados com obras de Irael Luziano:
Ao limite do ruído enclausurado
paletó
esfarelado na brisa da insônia quando a nuvem se alarga entre flocos de
cimento e nenhum solo propício se ergue diante do rubor das árvores em
meio ao redemoinho de magnésios e aminoácidos de uma cidade entulhada de
vesículas impermeáveis a poucos metros de um corpo irreconhecível que
quase não fala nem se cala mas se engalfinha sob alérgicas ferragens nos
pés daquela malha de sobrancelhas que receosamente se esquiva por
detrás dos lençóis embolorados nas espinhosas azinheiras com os biombos
que dilatam aquele solitário monstro enquanto todos os anteparos se
entregam aos sonhos retorcidos numa abstinência inexplicável de
gastronômicos asfódelos fincados quase ao fim do interminável precipício
que obscurece as veias apagando os temores de tal latitude de sombras
então não havendo pensamentos que não tenham sido triturados pelas
raízes da própria irrealidade quando ninguém mais se contenta em ser
apenas efêmera transparência fingindo-se impassível ânsia de ser-sombra
ou indefinidamente aniquilado entre ossaturas pisoteadas com clavículas
em incêndio por cima de estraçalhamentos como se mais do que mero enredo
de panacéias assim pudesse atravessar o próprio som das mortes
ilusórias a tal ponto de travestir-se numa outra identidade passível de
ser brevemente dispersada em gravuras metálicas ou mesmo nas colagens de
genitálias desfiguradas tal qual a desolada visão de algumas criaturas
que nos leva à suspeita de não sei que desequilíbrio dos sulcos
linfáticos no instante em que ainda se entrelaça este sussurro de
máquinas com dióxidos que se desenrolam sobre a efígie da paixão quando a
tal tempestade se encasula nos tijolos ao mesmo tempo que uma lufada de
vento sorrateiramente enclausura as luzes que mal escorrem entre
liquefações e fugacidades porém sempre atirando os cordões da
perversidade daqueles que se amam relatando suas histórias sem que
entretanto qualquer uma delas possa ser fielmente reconstituída da mesma
maneira em que contemplamos a fatalidade quando repentinamente um jovem
desprevenido pode sucumbir ao desejo de se abandonar à deriva como se
jamais houvesse carregado consigo seus diários pessoais ao se ver
coagido naquele incipiente realismo de cadernos improvisados sendo que
cada passo se revelaria vulnerável aos ataques furibundos de arrancar a
própria pele sem nunca saber ao certo se chegou a esta cidade por um
caminho interditado quando ele mesmo se vê incapaz de escrever seu
próprio nome considerando que tal falha teria sido impossível a menos
que uma peça de vidro o tenha atraído para aquele abismo azulado onde
tal angústia seria como olhar o fundo de uma tampinha de aço em que
talvez pudesse reencontrar nesta pérfida erosão algum rosto indefinido a
perder-se de vista murmurando apenas primavera-clamor tanto quanto uma
pedra poderia se encolher nas margens da vaga luminosidade ou mesmo tais
nuvens que se sonhariam abraçadas se dissessem uma à outra inúmeras
asperezas naquela música em que todos estaríamos excitados quase a
estremecer de terrores e prazeres diante de tantas vidas amaldiçoadas em
confronto com o único horizonte que seria o desastre que nos absolveria
daquela arquitetura de ínfimos arcos tingidos pela eterna hipótese de
sonhar com uma paisagem inextinguível de tal modo que sejamos
restituídos à informe moldura pois sendo então inútil reter qualquer
substância assim que num segundo o ar começa a se expirar em milagrosas
diluições com os estrépitos da infâmia sem que se possa ouvir o próprio
silêncio das árvores quando ainda ele deveria suspirar de vileza se
vislumbrasse agora um esquálido cavalo debaixo de alguns galhos ou se
sua lâmina aguçada tivesse redescoberto a sombra de sua própria mãe a
suplicar-lhe misericórdia precisamente naquela estrada limítrofe onde o
cavalo mais pálido do que magro teria sido um presságio que
neutralizaria o lado obscuro da noite quando somente um ponto minúsculo
lhe serve como vestígio no meio do deserto onde os corpos inteiramente
desnudos parecem estar incinerados com o rosto de seu pai que então lhe
desvelaria o crepúsculo de sua própria humanidade se por acaso seu
espírito fosse uma raposa suspendida nos ganchos da máscara com que se
aspira o último prepúcio extraído da gola prisioneira sem a qual a
frágil ventania provavelmente se dissolveria diante dos sobrados
ressentidos após sucessivos pesadelos de sangria onde um rosto poderia
se desdobrar numa mórbida infinidade de outros rostos atrás dos quais
ter-se-ia vislumbrado um assassino de sonhos desaparecendo com miríades
de esconderijos durante a cremação dos cristais de fogo no meio da qual
os homens se desencaminhariam em virtude dos estilhaços que submergem
sob o enxame de musgos que atacam o círculo adormecido das correntes
como se todas as pálpebras pudessem se recurvar até se deixarem absorver
pelo negrume que subsiste abaixo das escalas de altiplanos escumosos ou
mesmo assim sendo pressionadas voluptuosamente debaixo das conchas de
grutas retesadas ao som das folhas aspiradas pela pólvora admirando-se
tal qual imaginação ruidosa dos cérebros naquele alvoroço tão infantil
de se mesclar às rochosas lágrimas do mastro demoníaco e então apenas se
recurvando a ponto de ser fulminado pelos sinos de sangue ferruginoso e
ser arrastado para além dos olhos das lagunas derrisórias
Ossivorous
enquanto
as pálpebras escarnecidas ao galope dos mausoléus estremecem aquele
trilho enrugado das lembranças uma menina com suas veias auspiciosas
tritura a pedra de riso condenável no turvo deleite dos dias que se
estendem até o ápice das visões mais distantes como se nenhuma sandália
de platina pudesse ser resgatada durante a crispação do torso aracnídeo
sobre essa algaravia insustentável de tantas lástimas expurgadas quando
nem mesmo nossos espasmos saberiam atravessar o limiar das efusões
insulares daquela muralha de enxofre onde pela última vez ainda se
eclipsavam as gramíneas das vultosas encenações sendo que um promontório
bordejado pelas cornijas de barba equina se escureceria aos látegos dos
sorvedouros encefálicos daquele forasteiro arqueado no recôncavo em
fúria tal como se um caudaloso e inconsolável quebra-mar se agigantasse
em meio às profusões de agulhas que se arrastam sob a desfiadura dos
salgueiros gaseiformes acima de todas as tábuas enfunadas pelo estrondo
do recém-dissecado dédalo de tal modo a desembarcar rumo ao irremediável
quadrilátero à beira-vazante do gozo originário das amputações
cubiculares com as fluorescências de uma ave fibrilosa que nunca se
cansa de morrer em sua própria queda astronômica
Arboreous
sob
a eternidade de uma sombra sem asas circula o pássaro dos candelabros
de seus beiços infames e a cada pausa redobrada dessa claridade cinzenta
se descortinam os tentáculos daquela planície esganiçada como se todos
os espelhos suplicassem com a navalha de suas penugens brumosas assim
quando os olhos começam a regurgitar as tapeçarias da impetuosa caverna
enquanto involuntariamente ainda se recolhem as mãos das flores
sudoríferas desenfaixando a concha dos rastros vaticinadores por meio da
escoriação inumana de seus ouvidos onde em raras ocasiões até as
bandeiras imprecatórias pareceriam irromper de dentro do suspiro das
constelações em desalinho desfolhando sem nenhum remorso o grumo das
sereníssimas conspirações
LOZ
Os três poemas com as imagens de suas respectivas esculturas são
trabalhos do LOZ (Chiu Yi Chih e Irael Luziano). Ambos artistas fundiram
suas linguagens e realizam conjuntamente obras em escultura,
performance, poesia e vídeo em torno da proposta da “Metacorporeidade”.
Recentemente publicaram juntos o livro “Metacorporeidade” (Editora
Córrego) com prefácio de Cláudio Willer e texto de Luis Serguilha. Suas
obras se encontram no www.loz2962.com .
http://www.vermelho.org.br/noticia/260123-11
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