Sunday, April 14, 2013

Economia criativa: o valor de uma ideia

 
O Brasil é um dos maiores produtores de criatividade do mundo, com cifras que chegam a R$ 110 bilhões. O que falta para a tal economia criativa decolar? Investir na gestão cultural é uma das metas
Publicação: 14/04/2013 08:00Atualização: 12/04/2013 16:58

Thiago Lucas concorre a um prêmio com um projeto de mesa por encaixe: parceria com cooperativa que usa matéria-prima reciclada do lixão da Estrutural (Janine Moraes/CB/DA Press)
Thiago Lucas concorre a um prêmio com um projeto de mesa por encaixe: parceria com cooperativa que usa matéria-prima reciclada do lixão da Estrutural

Bastou uma disciplina, como mote, e a máquina fotográfica, como ferramenta, para que Thiago Lucas, estudante de desenho industrial da Universidade de Brasília (UnB) conhecesse um grupo de catadores de lixo e começasse a pensar na questão dos resíduos. Em 2011, ao desenvolver um projeto de design socioambiental, o estudante saiu dos arredores da UnB e foi parar na Estrutural. Foi lá que descobriu um “mundo de madeira”, como ele próprio descreve. Movido pelas infinitas possibilidades de uso com tantas portas e estacas dando sopa, ele só não sabia o que fazer com toda aquela matéria-prima, até encontrar como parceira a cooperativa de ex-detentos Sonho de Liberdade, quando era bolsista no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB. Nascia a Linha Estrutural de móveis. Um ano depois, a criação participava de eventos de moda e de arquitetura em Brasília, para surpresa de Thiago. O que o designer, de 27 anos, não sabia é que, por causa dessa criação, ele seria convidado a fazer parte da chamada “economia criativa”.
Termo relativamente novo, batizado pelo economista britânico John Howkins, quando lançou um livro de mesmo nome em 2001, a economia criativa abrange a produção cultural e criativa de um país. “Ela responde pelos produtos e serviços nas sociedades contemporâneas que envolvem, de um lado, ciência e tecnologia e, do outro, conteúdo de cultura. Se fosse resumir esse conceito em uma equação de primeiro grau, diria: ciência e tecnologia mais cultura é igual a economia criativa. E isso é a cara do século 21”, explica Cláudia Leitão, convidada pelo Ministério da Cultura para criar e assumir a Secretaria de Economia Criativa no ano passado.
No caso de Thiago, a ideia de se valer de estacas de madeira desprezadas no lixo para desenvolver um móvel com design próprio foi possível porque a cooperativa queria agregar valor aos móveis. Sendo assim, o estudante conseguiu transformar um cenário de abandono em um espaço pronto para criações. “Quando o Thiago chegou aqui, ele parecia um cientista maluco com tantas ideias que mostrava para a gente. Vinha, olhava a madeira e ficava doidinho que nem criança por chocolate”, brinca Fernando de Figueiredo, criador e coordenador da cooperativa, que conta com 80 ex-detentos e voluntários em regime semiaberto. Ao somar o know-how da faculdade com a organização e a vontade da equipe liderada por Fernando, a linha de mesas e bancos montados sem pregos, mas com pinos e cola, ganhou ainda mais visibilidade neste ano.
Selecionado com outros 300 criativos em um grupo de mais de 1.600 inscritos de todo o país no Movimento Hotspot, Thiago busca a chance de levar para a frente o trabalho com a cooperativa. Criado pelo produtor cultural e coordenador do São Paulo Fashion Week, Paulo Borges, além de outros gestores de cultura, o Hotspot começou como uma incubadora de moda em 2000, mas há um ano se transformou em um festival que busca, expõe e premia novos talentos. Em questão, está a criatividade em 11 áreas (arquitetura, design, beleza, cenografia, design gráfico, filme e vídeo, fotografia, ilustração, moda, música e ideia).
“Esse é um ponto de partida, não um ponto de chegada para os candidatos. O desafio é como transportar essa criatividade para um ambiente real sem que essa veia criativa se perca na prática. Queremos que sejam grandes profissionais nas suas áreas de atuação, mas não impomos um modelo de negócio”, disse Paulo Borges na semana passada, durante a exposição dos trabalhos do Centro-Oeste selecionados pelo Hotspot.
Outro grupo de criadores selecionados pelo Movimento Hotspot aposta no valor de uma ideia autoral, bem desenvolvida e atrelada à cultura brasiliense. Fascinados por pisantes com estilo, Miguel Marinho, 25 anos, Vinícius Matteo, 24, e Gabriel Lira, 26, criaram a Muv Custom Shoes em novembro de 2011. “Todas as outras marcas estrangeiras têm uma linha customizada, mas a variação não é grande e a edição é limitada, ou seja, difícil de comprar. Nossa ideia foi deixar que o consumidor fizesse o tênis do jeito que gostasse”, lembra Vinícius.


Vinícius e Miguel foram à China desenvolver uma máquina para imprimir estampas de artistas locais em tênis: sucesso em Brasília (Janine Moraes/CB/DA Press)
Vinícius e Miguel foram à China desenvolver uma máquina para imprimir estampas de artistas locais em tênis: sucesso em Brasília

Em parceria com artistas, grafiteiros e estilistas da cidade, o trio oferece estampas únicas para customizar o tênis. Cada artista colaborador recebe royalties pela venda do sapato, enquanto os meninos se encarregam da fabricação e do e-commerce. Com o tênis como suporte, os designers mostram seus trabalhos de uma forma inusitada e a Muv tem um diferencial no mercado. “Usamos esse conceito de crowdsourcing (quando você usa da habilidade de alguém ou de um grupo) para criarmos algo novo juntos”, explica Vinícius.
Entre muitas coleções desenvolvidas pela Muv Custom Shoes, uma em particular continua sendo a mais vendida. Parceria com a Fundação Athos Bulcão, as pombinhas da Igrejinha da 108 Sul pegaram os brasilienses — e mesmo aqueles que não moram na cidade — pelos pés. O que o grupo não imaginava era outra repercussão. Dessa vez, uma parceria com o estilista brasiliense Samm Marcuccy, em janeiro de 2012, no Fashion Rio. “De repente, a demanda era tanta que a gente precisou ampliar”, lembra Vinícius.
No fim de 2012, os sócios se viram obrigados a encerrar os pedidos da linha customizada para voltar neste ano com sneakers de melhor qualidade. Passaram uma temporada na China, onde encontraram uma fábrica que desenvolvesse uma máquina para impressão em 3D apropriada aos modelos da Muv Shoes, antes adesivados. Em maio, novos pisantes devem ocupar a loja virtual com desenhos de parceiros, entre novos designers e grafiteiros, cujos nomes são mantidos em segredo pelos sócios.
Enquanto não estreia as coleções, o trio se mantém esperançoso quanto à final do Movimento Hotspot em julho, quando um vencedor de cada categoria passará por um período de imersão, com palestras e trabalhos coletivos, em São Paulo. Confiantes, os brasilienses da Muv Custom Shoes apostam nesse momento de bons ventos da economia criativa. Parceiro do Hotspot, o Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Grandes Empresas (Sebrae), palco do evento, colabora com a expectativa desses jovens criadores. Tanto que, atualmente, o Sebrae atua em 153 projetos de economia criativa em todo o país. “Prevemos um aporte de recursos de R$ 36 milhões, fora contrapartidas de parceiros, para projetos da área”, antecipa Carlos Alberto dos Santos, diretor técnico do Sebrae.
Entre iniciativas que mostram êxito no segmento da economia criativa, o Sebrae destaca o Circo Teatro Udi Grudi e o festival internacional de teatro de Brasília Cena Contemporânea, ambos há mais de três décadas na estrada. Cada qual do seu jeito, eles conseguiram emplacar projetos culturais de sucesso tanto dentro quanto fora do país, com a assinatura de artistas da cidade.
Fundado em Brasília em 1982, o Circo Teatro Udi Grudi é um dos mais antigos grupos de circo teatro contemporâneo do Brasil. Por desenvolverem uma linguagem própria baseada no clown (referente à história e à arte do palhaço em suas diversas nuances) e na música, o grupo já circulou pela Europa, Ásia e América do Norte, sendo aplaudido pelos aspectos singulares da criação dos atores Luciano Porto, Marcelo Beré e Márcio Vieira.
Nesse momento, o grupo se debruça sobre um novo projeto: um parque de diversões sonoras. Enquanto Beré dedica-se a um doutorado em Londres, Luciano e Márcio lapidam esse sonho antigo da trupe. “Queremos criar uma exposição temática sobre o som e a música — desde o ponto de vista da física, da fisiologia, da neurologia, até outros aspectos, como a histórica da música. Além disso, um parque de diversões cujo tema é a música, mas não só voltado às crianças. Nele, teríamos instrumentos que brincam, brinquedos que tocam”, conta Luciano, animado com a ideia que pretende tirar do papel em breve, caso o grupo consiga verba do Fundo de Apoio à Cultura, na Secretaria de Cultura do DF.
Resistente aos altos e baixos de uma vida dedicada à arte, cada um consegue viver do trabalho no Udi Grudi sem perder de vista projetos paralelos. Voltado para um mundo criativo que rende frutos devido ao reconhecimento de produtores brasileiros e estrangeiros que os convida para turnês em festivais de teatro, o Udi Grudi rechaça o rótulo de mero produto da economia criativa. Afinal de contas, a criação artística é incalculável em termos monetários. No entanto, o grupo entende que faz parte de um novo contexto em que a cultura é reconhecida pelo Estado como setor que merece políticas públicas adequadas para que tanto a trupe brasiliense quanto outras iniciativas culturais não se percam frente à falta de investimento.
Atento ao frisson midiático no que diz respeito à economia criativa, Luciano prefere limitar-se a refletir sobre o conceito. “Já faz alguns anos que vi uma entrevista. Nela, um pensador italiano contemporâneo falava que as nações desenvolvidas serão as nações criativas. As ideias vão imperar, e não a produção. Desde então, fiquei alerta a isso. Do grande potencial que temos, do nosso potencial criativo. Talvez pela falta de recursos, o que nos ajuda a buscar soluções criativas. Isso nos faz diferentes. Ou seja, temos tudo para estar na ponta”, acredita.
No mundo, atividades e produtos feitos a partir de um saber cultural ou de iniciativas de jovens empreendedores movimentam bilhões de dólares todo ano, mesmo diante de altos e baixos da economia mundial. No Brasil, o setor responde por R$ 110 bilhões, ou seja, 2,7% do PIB total produzido no país, segundo mapeamento da indústria criativa feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) em 27 estados brasileiros, no ano de 2011. Segundo a pesquisa, tais números mostrariam que o Brasil se posiciona entre os maiores produtores de criatividade do mundo, na frente de países como Itália (PIB Criativo de R$ 102 bilhões) e Espanha (R$ 70 bilhões). Na prática, no entanto, esse cenário é bem diferente.
Tanto que o especialista em economia criativa John Howkins disse à Revista, em 2012, que para que a economia criativa brasileira se consolide, ela precisa ir além. “O Brasil é conhecido pelo seu estilo, cores, paixão, emoção, roupas, música e futebol. Isso é muito raro. Poucos países são associados a tantas características interessantes. Vocês também têm fama no mundo pela veia artística: dança, música, carnaval. Isso leva as pessoas a associarem o país à cor, ao ritmo, à felicidade. São características extraordinárias para se trabalhar. O Brasil poderia ser conhecido por muito mais coisas. Mas essas qualidades não são traduzidas em personagens, histórias, produtos, serviços, design, carros ou roupas que consumidores de Nova York, Londres ou Xangai querem comprar”, afirmou.
No entanto, a colocação de Howkins, que já prestou consultoria para grandes empresas, governos e organizações e é presidente da BOP Consulting, contradiz o feedback positivo de muitos artistas e designers brasileiros. Caso do diretor de teatro e produtor Guilherme Reis em Brasília, criador de um dos festivais internacionais de teatro contemporâneo mais importantes no país e fora, o Cena Contemporânea. “Em 1995, quando a gente criou o festival, me lembro de ter a ideia: criar uma via de mão dupla para trazer o que não passava pela cidade e criar a possibilidade de a produção brasiliense também circular, para amadurecer e desenvolver o setor. O Cena continua fazendo isso, o festival cresceu, abriga dança, música, performances, artes visuais, se comunica com a juventude, criou um público aberto para receber propostas variadas. Na última edição, tivemos 97% de ocupação em 14 espaços da cidade”, comemora Guilherme Reis.
O resultado desse trabalho é a expertise em produção cultural e organização do festival de teatro que Guilherme Reis carrega na bagagem quando viaja pelo mundo a convite de produtores e gestores culturais. Em uma dessas viagens, participou do Mercado de Indústrias Culturais Argentinas (Mica), evento realizado anualmente em solo portenho. “Me lembro de presenciar uma mulher responsável por um pool de editoras universitárias americanas comprando uma série de títulos voltados para infância e a juventude para serem traduzidos e adaptados nos Estados Unidos. Isso não acontece se você não atrai outras pessoas para conhecer a produção cultural do seu país”, reflete.
Para Guilherme Reis, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, para que políticas públicas estruturantes possam convergir para uma economia criativa e saudável. “Não podemos dizer a um artista que ele é uma engrenagem do mercado. Ele tem que ter liberdade para criar, mas também precisa de instrumentos que o apoiem.” Nesse ponto, a secretária de Economia Criativa, Cláudia Leitão, concorda. “Em termos de políticas públicas, estamos no começo do começo. Mas se pensarmos no potencial brasileiro e na expectativa que o mundo tem sobre o Brasil, temos muito a ganhar”, aposta. Até mesmo porque, segundo a secretária, a resposta que o Ministério da Cultura tem da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), órgão que trabalha com associações do setor criativo, é de que chegou a vez de outros países pedirem a parceria do Brasil, quando antes era o inverso.
Otimista quanto ao festival de teatro, ao projeto Todos os Sons, com artistas da cidade e de outros estados, além da agenda cheia do espaço Cena, criado em 2005 para dar vazão a produções e pesquisas no setor de artes cênicas, Guilherme não para. Aperta-se dali, corta-se de lá e o orçamento para as produções sempre precisam se ajustar a uma série de entraves. Como a falta de reconhecimento e valorização do governo e de empresários locais. Eventos que não só fomentam a cultura local, como também contribuem para a formação de plateias e para o turismo da região. “Estamos posicionados com um dos grandes eventos do país nessa área, e é reconhecido internacionalmente como um dos mais bacanas em uma cidade única e singular. Quer dizer, a gente está jogando Brasília para cima, mas o que a gente precisa mesmo é que a cidade venha junto.”

Conta Satélite de Cultura

Até 2014, o Brasil deve saber quanto a economia criativa representa para o Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB). Em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério da Cultura deve fazer um levantamento que apontará informações acerca de atividades relacionadas aos bens e serviços culturais, além de levantar dados sobre geração de emprego, investimentos e consumo

Leia a reportagem completa sobre economia criativa na edição impressa da Revista do Correio, de 14/04/2013

No comments: