Friday, December 17, 2010

Lobão chega hoje a Brasília para lançar autobiografia e fazer dois shows


Teresa Albuquerque
Publicação: 17/12/2010 07:21 Atualização: 17/12/2010 07:40

Xurupito era o apelido do menino que os pais vestiam como um garoto da década de 1940. Não bastassem as camisas de linho, as calças de tergal, os sapatos de verniz e a cabeça raspada com máquina 1 e “um topete ridículo erguido à base de muito gumex”, João Luiz Woerdenbag Filho era chamado pela mãe, no meio da rua, em pleno Rio de Janeiro dos anos 1960, por este nome: Xurupito. Tinham que rir. Tímido em excesso, filho de um “casal jovem, apaixonado, meio desprotegido, meio de direita”, Joãoluizinho (pois é, o outro apelido familiar) tinha tanto medo de entrar em contato com o mundo exterior que acabou inventando várias vidas pra ele. Foram 50 anos de vida louca, vida intensa, vida bandida, vida doce — e uma morte atrás da outra. Lobão sempre soube se reinventar.

Esse meio século vivido em alta velocidade, com episódios trágicos, dolorosos, divertidos, espinhosos, Lobão conta no livro 50 anos a mil, que lança hoje em Brasília, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi (Lago Norte), em pocket show com trio acústico às 19h, e sessão de autógrafos na sequência, às 20h. Amanhã, às 21h, cantor e banda apresentam o show completo, da turnê Lobão elétrico, no América Rock Club, em Taguatinga.

Foram quase dois anos dedicados à autobiografia. Lobão escreveu 873 páginas. O livro foi para as prateleiras com 592 — já incluindo a parte que ficou a cargo do jornalista Claudio Tognolli, batizada de Lobão na mídia, um levantamento do que jornais e revistas publicaram sobre ele. Além de complementar (ou provar) o que o cantor conta no texto, essa seção com trechos de reportagens, anexada a alguns capítulos, lhe dá alguma razão no que diz respeito à imagem caricata que se criou em torno dele. “Estou contando uma história que foi, deliberadamente, colocada para baixo do tapete. Sem a participação do Tognolli, certas histórias não poderiam ser contadas”, comenta. “Bom, essa violência eu não deixaria passar assim, impune, mesmo. Não tenho sangue de barata nem propensão a ser vítima da história.”

Das tripas
Bem escrito, com narrativa veloz, 50 anos a mil repassa uma trajetória muito interessante — é a história dele, sim, mas também a de uma época, de uma geração. Está tudo lá. Da nefrose descoberta aos 2 anos, que o obrigou a tomar altas doses de cortisona por muito tempo (ele só teve alta aos 12), à mudança, em 2008, para São Paulo, onde decidiu recomeçar a vida com a mulher, Regina, e os gatos Lampião, Maria Bonita e Dalila. “São Paulo é a cidade que me adotou e eu elegi como minha”, afirma Lobão, que compôs uma música para a cidade (Song for Sampa), disponível aos leitores do livro, no site dele (www.lobão.com.br/ downloads), assim como a inédita Das tripas, coração, feita para três amigos já falecidos: Júlio Barroso, Cazuza e Ezequiel Neves.

É no velório de Júlio Barroso, aliás, que se passa o episódio contado na abertura do livro. Quatro horas da manhã, junho de 1984, ele e Cazuza, transtornados, esticam duas carreiras de cocaína em cima da tampa do caixão. Como uma última homenagem. Também sem papas na língua, Lobão conta sua primeira masturbação, ainda bem menino, diante de uma cruz (ele tinha fixação por isso); a noite em que se apaixonou pela pombajira que baixou no terraço; o dia em que invocou Exu Caveira (outra fixação adolescente) e acordou com o quarto destruído. “Só escrevi com essa sem-cerimônia porque me distanciei, me tratando como um personagem”, afirma.

Entre os momentos mais difíceis de contar, Lobão lembra o dia em que foi expulso de casa pelo pai, aos 19 anos. Levou um cruzado na cara e rebateu com o violão, despedaçando-o inteiro em cima do pai (“Só sosseguei quando não havia mais violão para continuar batendo”). Depois disso, a relação dos dois ficou suspensa, “num limbo relacional”. Muitos anos mais tarde, eles tiveram uma bela tarde de sábado juntos. Logo depois, o pai se matou, envenenado. Lobão também carregaria a culpa pela morte da mãe. Após uma discussão com ele, ela (bipolar) parou com os remédios que tomava três vezes por dia — “uma forma sutil e profissional de se matar”, como ele diz. Sim, a mãe deixou uma carta responsabilizando-o por sua morte.

Saiba mais...
Confira trecho da autobiografia de Lobão Mas nem tudo é tragédia nessa história. Há episódios engraçados, narrados com humor às vezes ácido, e outros de uma cara de pau inacreditável. Como a vez em que fingiu que continuaria como baterista da Blitz só para sair na capa de uma revista. A entrevista já estava agendada, ele falou pelos cotovelos, chamou a maior atenção. Em seguida, com a revista debaixo do braço e a fita de Cena de cinema nas mãos, foi bater à porta da gravadora. Vinte minutos depois, já tinha assinado contrato para a carreira solo. Saiu chamuscado da Blitz — e riscado da capa do disco da banda. Em retaliação, desenharam, no lugar dele, a cara do lobo mau.

A CAIXA
» Em tempo de balanço da trajetória, Lobão vê chegar às lojas, na próxima quarta-feira, a caixa de CDs 81/91, remasterizados pelo norte-americano Roy Cicala. O cantor conta que foi ele mesmo quem fez a seleção e exigiu que Cicala — engenheiro de som e produtor de álbuns como Imagine e Mind games, de John Lennon, e Watertown, de Frank Sinatra — cuidasse da remasterização dos três discos. “Está excelente. O Roy conseguiu tirar um som mais agressivo das canções”, comenta Lobão, que também está lançando o DVD do Acústico MTV. “Depois de receber o Grammy Latino de melhor disco de rock de 2007, finalmente ele sairá com a devida visibilidade e o devido respeito.”

TRÊS PERGUNTAS - LOBÃO
Sua história é realmente impressionante. Como você diz, “cheia de vida, de intensidade”. Ao terminar de escrevê-la, a sensação foi de alívio? Ou ficou com receio de ter se exposto demais?
Sim. Parece que tudo se resolveu como que por encanto. Me senti em paz com minha história, com minha família. Parece que deixei de me sentir um fantasma... Receio? Nenhum. Sabia que estava escrevendo com todo o meu amor e honestidade. Se tivesse algum receio de me expor, eu ainda não estaria apto a escrever essa história.

A imagem que as pessoas têm de você geralmente é a do “francoatirador”, do porra-louca… E, para quem não o conhece de perto, o livro traz uma imagem nova: a do homem amoroso, doce até. Quando pensou em escrever, foi também para derrubar estereótipos comumente associados a você?
Isso estava implícito, uma vez que não faço o menor esforço em ser desse jeito. Mas fico satisfeito em poder me valer do meu próprio relato e da minha história de verdade para desfazer caricaturas primárias e/ou maldosas perpetradas ao longo de todo esse tempo.

No epílogo você fala do menino tímido, superprotegido, que acabou se transformando num escancaro ambulante. E num país que não suporta opinião. Hoje você apresenta programas na MTV, é assistido por garotos que talvez só o conheçam dali, e parece não “assustar” como antes… Pelo menos já não pegam tanto no seu pé, não?
Esse “diagnóstico” de que não sou mais aquele, eu testemunho desde os meus tempos da Blitz... E por sinal, acabei de sair da MTV. As pessoas já poderiam ter se acostumado com as minhas manobras mirabolantes. Mas o que acontece mesmo é que estou mais forte do que nunca, com um público cada vez maior nos meus shows e de idades mais variadas. Estou cheio de músicas novas, com um show sensacional, tocado por uma banda maravilhosa. Estamos caindo pesado na estrada e essa é a intenção agora.

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2010/12/17/interna_diversao_arte,228142/lobao-chega-hoje-a-brasilia-para-lancar-autobiografia-e-fazer-dois-shows.shtml

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