Wednesday, March 24, 2010

Grigori Perelman e a Conjectura de Poincaré


Perelman é doido, ou entendeu tudo?
Élio Gaspari - Élio Gaspari
Autor(es): Agencia O Globo
O Globo - 24/03/2010

Em 2008, quando Lady Gaga gravou seu primeiro álbum, já se tinham passado seis anos do dia em que Grigori Perelman resolvera a Conjectura de Poincaré, um dos maiores mistérios da matemática. Num mundo que consome celebridades, a história de Perelman merece cinco minutos de atenção. Ele é um matemático russo, de 43 anos, já passou meses sem trocar de roupa, raramente corta as unhas, a barba ou o cabelo. Vive com a mãe em São Petersburgo, tem horror a jornalistas e viveu sete anos praticamente recluso. Nem emails respondia. Quando esteve nos Estados Unidos, a base de sua alimentação era pão preto e iogurte.

Recusou cátedras nas universidades de Princeton, Berkeley, Stanford e no MIT. É um excêntrico, mas é um excêntrico que tem bastante a ensinar.

Até que ponto vive-se melhor parecendo maluco do que deixandose bafejar pela celebridade? Superando ciúmes, intrigas e rivalidades, Perelman acaba de conquistar o prêmio dos “Problemas do Milênio”, com direito a um cheque de um milhão de dólares, concedido por uma fundação americana, por ter decifrado um dos sete grandes mistérios da matemática. Em 2006, ofereceram-lhe uma honraria considerada equivalente a um Nobel de Matemática. Recusou-a.

Para os leigos (como o signatário), a Conjectura de Poincaré é algo incompreensível. Ainda assim, pode-se perceber que Poincaré, um matemático francês que morreu em 1912, deixou para o mundo uma conjectura. Mais difícil será entender o que significa o segundo mistério: “A existência de Yang-Mills e a falha na massa.” Perelman resolveu a Conjectura em 2002. Em vez de mandar seu trabalho para uma revista científica, onde um painel de estudiosos estudaria a consistência dos argumentos, simplesmente jogou os textos na internet, num arquivo público de trabalhos acadêmicos. O trabalho não dizia que a Conjectura havia sido resolvida, essa tarefa cabia a quem o lesse. (Um matemático gastou três meses para entendê-lo.) A comunidade dos sábios consumiu dois anos estudando, invejando e, em alguns casos, buscando uma falha na explicação. Perda de tempo.

Quando Perelman foi convidado por Princeton, pediram-lhe um currículo.

Respondeu que, se não sabiam quem ele era, não deveriam convidá-lo. Como o MIT chamou-o depois que resolveu a Conjectura de Poincaré, recusou porque deveriam tê-lo chamado antes. Num último convite podia ganhar quanto quisesse e fazer o que quisesse durante o tempo que bem entendesse.

Respondeu que estava comprometido com seus alunos do ensino médio de São Petersburgo, o que nem era verdade.

Perelman ofendeu-se quando o “New York Times” disse que ele sustentava que resolvera a Conjectura para ganhar US$ 1 milhão. Afinal, estudava o problema muito antes de o prêmio surgir e não sustentava coisa alguma. Decifrara a Conjectura de Poincaré, ponto.

Perelman é um matemático excêntrico e, pensando-se bem, Lady Gaga é uma roqueira quase convencional.

Assim as coisas ficam fáceis e pode-se ir em paz ao próximo show. Contudo o mundo fica mais interessante quando se sabe que o negócio de Perelman é outro. Os matemáticos podem viver num mundo de liberdade e rigor absolutos.

Ele escolheu uma vida de total integridade, sem concessões a coisa alguma. Ninguém manda nele, só a matemática, num diálogo que dispensa outras vozes.

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