Saiu o Livro na Rua - Micro-antologia Marcos Freitas, Série Escritores Brasileiros Contemporâneos nº 44, Editora Thesaurus, Brasilia - DF, 2008.
Confiram alguns poemas.
O ADORMECER DAS PALAVRAS
entender da palavra apenas uma face secreta
talvez, no máximo, duas
e com elas compor um único verso,
com paixão e alma nuas
contemplar esse verso,
infortuito e desprovido de idéias,
mas pleno de imagens e signos
carcomidos pelo (irreversível?) tempo
pudesse eu compreender
o poder da palavra,
da fala, mesmo quando esta
ao fim se cala
e deitar na noite de sono
profundo,
profundo quanto amor de mãe.
(A Vida Sente a Si Mesma, 2003)
SONHOS SOMOS
uns dizem que os sonhos devem ser vividos
outros que eles devem ser divididos
já outro que sonhos sonhos são
e eu o que digo?
e eu o que sonho?
às vezes o tempo passado
me é futuro
do presente ou do pretérito
eu já nem sei?
o que esperar dos sonhos?
o que esperar do que somos?
som e sonho:
partituras atemporais.
(A Vida Sente a Si Mesma, 2003)
QUADRO
hoje sim
quero te descrever
em cores
lambuzar-te de tintas
no lugar dos seios
riscos rápidos
no lugar dos braços
formas curvas
em perspectivas
no lugar das pernas
pingos, pingos e mais pingos
esparramar suave em ondas
teu ventre em chamas
hoje sim
adoraria borrar
todo esse quadro
com um jorro de tinta
(A Terceira Margem Sem Rio, 2004)
PEDRA DO SAL
as jangadas partem cedinho
e somem no imenso azul distante
balançam, balançam e balançam no mar
retornam à tardinha
no cesto, três ou quatro peixes
vendidos a quatro ou cinco reais
(Moro do Lado de Dentro, 2006)
FOTO TABOCA
quem não deixou
sua alma aprisionada
em 3X4
no lambe-lambe
do Seu Chiquinho
na Praça da Bandeira?
(Moro do Lado de Dentro, 2006)
ALFABETIZAÇÃO
alfabetizou-se pelo MOBRAL
teve assistência do Projeto Rondon
aventurou-se no Esquema I e no Projeto Minerva
acompanhou todo o Telecurso Segundo Grau
excursionou no Comunidade Solidária
e agora vive às turras com a tal Exclusão Digit@l.
(Moro do Lado de Dentro, 2006)
FINA LAVRA
ante tua reboante beleza
meus atalhos e palavras:
rebotalho de terras lavradas
(Quase um Dia, 2006)
PINGOS DE LÁGRIMAS
como pia a pia da cozinha
(Quase um Dia, 2006)
RUA DO BARROCÃO
no quintal da minha infância
brotavam goiabas
vermelhas, brancas.
no terraço de minha adolescência,
entre bolas e bilas,
cresciam amizades sólidas.
hoje,
homem maduro,
ainda planto sonhos
e aguardo frutos.
(Na Curva de um Rio, Mungubas, 2006)
NECTÁRIO
faço circular
minha seiva
abundante -
qual a de um
parenquimático
arvoredo -
(cromoplastas lembranças)
e de meu ápice caulinar
dou origem ao floema, ao xilema
e ao poema
(Na Curva de um Rio, Mungubas, 2006)
VIVÊNCIAS
as caatingas
como os sertões
estão
em toda parte
de minha solidão
(Raia-me fundo o sonho tua fala, 2007)
Wednesday, July 09, 2008
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