Wednesday, July 09, 2008

Livro na Rua - Micro-antologia Marcos Freitas

Saiu o Livro na Rua - Micro-antologia Marcos Freitas, Série Escritores Brasileiros Contemporâneos nº 44, Editora Thesaurus, Brasilia - DF, 2008.

Confiram alguns poemas.

O ADORMECER DAS PALAVRAS

entender da palavra apenas uma face secreta
talvez, no máximo, duas
e com elas compor um único verso,
com paixão e alma nuas

contemplar esse verso,
infortuito e desprovido de idéias,
mas pleno de imagens e signos
carcomidos pelo (irreversível?) tempo

pudesse eu compreender
o poder da palavra,
da fala, mesmo quando esta
ao fim se cala

e deitar na noite de sono
profundo,
profundo quanto amor de mãe.

(A Vida Sente a Si Mesma, 2003)


SONHOS SOMOS

uns dizem que os sonhos devem ser vividos
outros que eles devem ser divididos
já outro que sonhos sonhos são
e eu o que digo?
e eu o que sonho?

às vezes o tempo passado
me é futuro
do presente ou do pretérito
eu já nem sei?

o que esperar dos sonhos?
o que esperar do que somos?

som e sonho:
partituras atemporais.

(A Vida Sente a Si Mesma, 2003)


QUADRO

hoje sim
quero te descrever
em cores
lambuzar-te de tintas

no lugar dos seios
riscos rápidos
no lugar dos braços
formas curvas
em perspectivas

no lugar das pernas
pingos, pingos e mais pingos
esparramar suave em ondas
teu ventre em chamas

hoje sim
adoraria borrar
todo esse quadro
com um jorro de tinta

(A Terceira Margem Sem Rio, 2004)


PEDRA DO SAL

as jangadas partem cedinho
e somem no imenso azul distante
balançam, balançam e balançam no mar
retornam à tardinha
no cesto, três ou quatro peixes
vendidos a quatro ou cinco reais

(Moro do Lado de Dentro, 2006)


FOTO TABOCA

quem não deixou
sua alma aprisionada
em 3X4
no lambe-lambe
do Seu Chiquinho
na Praça da Bandeira?

(Moro do Lado de Dentro, 2006)


ALFABETIZAÇÃO

alfabetizou-se pelo MOBRAL
teve assistência do Projeto Rondon
aventurou-se no Esquema I e no Projeto Minerva
acompanhou todo o Telecurso Segundo Grau
excursionou no Comunidade Solidária
e agora vive às turras com a tal Exclusão Digit@l.

(Moro do Lado de Dentro, 2006)


FINA LAVRA

ante tua reboante beleza
meus atalhos e palavras:
rebotalho de terras lavradas

(Quase um Dia, 2006)

PINGOS DE LÁGRIMAS

como pia a pia da cozinha

(Quase um Dia, 2006)


RUA DO BARROCÃO

no quintal da minha infância
brotavam goiabas
vermelhas, brancas.

no terraço de minha adolescência,
entre bolas e bilas,
cresciam amizades sólidas.

hoje,
homem maduro,
ainda planto sonhos
e aguardo frutos.

(Na Curva de um Rio, Mungubas, 2006)

NECTÁRIO

faço circular
minha seiva
abundante -
qual a de um
parenquimático
arvoredo -
(cromoplastas lembranças)
e de meu ápice caulinar
dou origem ao floema, ao xilema
e ao poema

(Na Curva de um Rio, Mungubas, 2006)

VIVÊNCIAS

as caatingas
como os sertões
estão
em toda parte
de minha solidão

(Raia-me fundo o sonho tua fala, 2007)

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