Wednesday, April 09, 2008

Administração pública contemporânea

(*) Marcos Airton de S. Freitas
É inegável, conforme Bresser-Pereira, que, no Brasil, no plano político deu-se uma evolução do Estado oligárquico ao Estado democrático, mesmo que de elites. No plano administrativo, percebeu-se um avanço do Estado patrimonial em direção ao Estado gerencial. E no plano social, houve um movimento de uma sociedade senhorial para a sociedade pós-industrial. Essa transição, que na Europa durou algumas centenas de anos, no Brasil ocorreu muito rapidamente, de modo que esses três tipos de administração (patrimonialista, burocrática e gerencial) se articulam e sobrevivem, em maior ou menor escala, na Administração Pública contemporânea.
Do último baile da Ilha Fiscal, como bem nos reporta Raymundo Faoro até a década de 30, predominou no país um Estado patrimonialista. Somente com a criação do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), em 1938, verificou-se um primeiro passo no sentido de se implantar um serviço público organizado, onde se previa a realização de concurso público e fixavam-se critérios para a aquisição de bens e serviços. Outros marcos foram: a promulgação do Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, que dispôs sobre a organização da Administração Federal; e a Constituição Federal, de 1988.
A reforma do aparelho do Estado, nomeada também de reforma administrativa ou reforma gerencial de 1995, no governo FHC, inseriu-se no bojo de um conjunto de propostas e medidas elaboradas, dentro de uma visão neoliberal, no sentido de atingir a modernização e a adaptação do Estado brasileiro às novas demandas do mercado e às crescentes relações entre os Estados. Essa reforma passou por alguns avanços e retrocessos, em funções de interesses diversos, indo desde a resistência à mudança, passando pelo corporativismo da máquina burocrática, pelos interesses políticos-eleitoreiros, até o interesse do grande capital em obter benefícios do Estado.
Dentro dessa lógica, o Estado burocrático-industrial e o Estado gerencial seriam estados de transição de uma política de elites para uma democracia moderna, isto é, em uma democracia na qual a sociedade civil e a opinião pública seriam cada vez mais importantes, e na qual a defesa dos direitos republicanos, ou seja, do direito que cada cidadão teria de que o patrimônio público seria usado de forma pública, seria cada vez mais possível e necessária. Mesmo com todos os esforços, atualmente, é fato, ainda coexistem esses três tipos de administração nas três esferas de poder (União, estados e municípios).
A idéia norteadora da reforma do aparelho do Estado relacionava-se com os conceitos de eficiência, flexibilização, controle finalístico, contrato de gestão, qualidade e cidadão-cliente. Como alcançar, porém, esses conceitos na prática? Quais seriam, portanto, as possibilidades e os limites dos controles baseados nos resultados (autonomia), tendo em vista os condicionamentos impostos pelo princípio da legalidade (burocracia)? Como evitar que o administrador num contexto de total submissão ao texto legal e à excessiva fixação de regras para o alcance do objetivo pretendido, acabasse por enfatizar os meios em detrimento de um resultado mais eficiente e rápido, tendo em vista o permanente controle, tanto interno, quanto externo?
É cediço a ênfase conferida à descentralização administrativa, a partir do Decreto-lei 200/67 e da Constituição Federal de 1988, no tocante às políticas sociais. Porém, o que se observou, na prática, foi uma submissão das entidades descentralizadas às normas aplicáveis à administração direta, acarretando clara perda de autonomia, aparente submissão dos aspectos técnico-científicos em função das exigências políticas, dificuldades das empresas estatais atuarem em condições isonômicas nas relações de mercado com as empresas privadas, face às rígidas normas de licitação e contratação de bens e serviços.
É fácil verificar, portanto, que a reforma administrativa brasileira foi elaborada com adoção parcial dos princípios da new public management, visando sobremaneira à melhoria da performance pública, a eliminação dos excessos de padronização e da lentidão dos meios. Daí o conceito de accountability – originário das organizações privadas -, interpretado como a obrigação de responder pelos resultados, no sentido do controle orçamentário e organizacional sobre os atos administrativos, do respeito pela legalidade dos procedimentos e da responsabilização pelas conseqüências da execução das políticas públicas.
Em vista desses desafios, deu-se a adjeção de novas formas institucionais de administração pública nos últimos tempos, a exemplo das parcerias público-privadas (PPPs), consórcios, organizações não-governamentais, agências reguladoras, governança em redes, dentre outras. Convém frisar, contudo, que os sistemas de subcontratação e de parcerias, tendência em aumento nesta fase do estado regulador e de esbatimento das fronteiras do setor público, podem acarretar nítida dispersão da autoridade e das entidades às quais é devido à prestação de contas dos resultados de gestão e de utilização dos recursos públicos. O que não se pode, entretanto, esquecer, de forma alguma, é do sentimento de responsabilidade, do qual nos fala Max Weber.
Por fim, não nos custa também lembrar que o modo como a administração pública se organiza é reflexo da sociedade na qual ela está inserida. E, de acordo com a teoria social de Mangabeira Unger, pode-se entender a sociedade como um artefato. Ele ensina que a “sociedade é feita e imaginada, que ela é um artefato humano e não a expressão de uma ordem natural fundamental”. A idéia da “sociedade como artefato” no mínimo implica a não sujeição da história humana à providência divina, ou noutras palavras, os povos fazem e refazem a sociedade ad libitum.

(*) Marcos Airton de S. Freitas é escritor, Engenheiro Civil, Pós-graduando em Gestão Pública.

http://www.diariodopovo-pi.com.br/opiniao.php

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