Friday, November 13, 2009

Divisão do Estado do Piauí: necessidade ou conveniência?


Divisão do Estado do Piauí: necessidade ou conveniência?
Por tradição, em nosso país, os mesmos agentes do Legislativo, (vereadores, deputados e senadores), em regra, são os do Executivo (prefeitos, governadores e presidente), mediante trânsito por conveniência.
A legislação referente a repasse de verbas aos municípios de um mesmo estado é igual para todos, ou seja, não há discriminação com relação às fontes e ao percentual. E não é incomum algumas regiões de determinados estados serem menos assistidas que outras pelo Executivo dos estados, os governadores. E para corrigir tal descriminação administrativa, o mais sensato é cobrar ao Executivo discriminador o cumprimento das leis pertinentes.
Propor a divisão de um estado em razão de um fato resultante de possível discriminação administrativa, violentará toda uma tradição histórico- cultural, e toda uma memória social, especialmente para o caso em questão.
Em 1990, o deputado Jesualdo Cavalcanti Barros, natural de Corrente – PI, do Legislativo piauiense, sugere a divisão do estado do Piauí em dois, com a fundação do estado do Gurgueia, que compreenderia 87 municípios, dentre os quais Guadalupe, minha cidade natal. O Gurgueia é região pioneira da colonização do Piauí, localizado no Sul do estado. Os deputados Paes Landin e Júlio César de C. Lima, e o senador João Vicente Claudino são autores de proposta de plebiscito para a execução da idéia do ex-parlamentar Jesualdo, mas ainda não realizado.
Se há realmente boa intenção do autor e de seus pares, apoiadores dessa proposta, por que ao longo das gestões dos parlamentares referidos a realidade da região Sul do Estado não melhorou, quando bastaria o empenho sistemático deles, cobrando do governo estadual tratamento igualitário, em relação aquela região?
Propor dividir o estado, realizar plebiscito, montar o novo projeto administrativo, identificar os futuros gestores, e elegê-los, seria mais viável que exigir a atenção do governo para aquela região e o cumprimento da lei? Ademais, um dos apoiadores da proposta acima mencionado goza de reputação sabidamente questionável, por má gestão de verba pública. Reporto-me ao triste legado que o referido parlamentar deixou para Guadalupe, cidade com a elevada taxa de arrecadação tributária, oriunda da hidroelétrica de Boa Esperança. No entanto, após três décadas de gestão, entregou-a ao sucessor em quase estado de terra arrasada.
Prezado escritor conterrâneo, Jesualdo Cavalcanti, se realmente há boa intenção em resolver aquele problema, talvez preceda a tudo isto uma campanha sistematizada dos senhores para a moralização das gestões municipais. Quantos prefeitos da região Sul desviam em proveito próprio e do seu grupo de apoio os já minguados recursos de suas prefeituras? Será se combater o privilégio da imunização parlamentar (ficha suja) quanto aos crimes cometidos habitualmente não seria mais urgente que a sua proposta? A vergonhosa prática dos parlamentares de legislarem em causa própria, principalmente quanto aos já privilegiadíssimos salários, não seria mais urgente combater? Diante dos senhores há uma legião de piauienses na linha da miséria, sobrevivendo de um e até menos de um salário mínimo, com família numerosa e sem teto próprio, entregue, pois, à própria sorte. Se realmente há uma boa intenção na proposta, talvez preceda a ela o engajamento dos senhores numa séria campanha de combate ao cartel do elevado preço do combustível no Brasil, preço que diretamente eleva a inflação e causa o terrível sofrimento pela dor da saudade de tantos brasileiros privados de visitarem seus entes queridos em suas cidades de origem, devida ao preço abusivo das passagens. E são majoradas principalmente no período das férias tradicionais sem a tão necessária fiscalização do governo.
Se todos os prefeitos dos municípios da região Sul, representantes parlamentares e vereadores até agora foram impotentes para reverter o quadro em questão, que inovação extraordinária iria assegurar vida nova, com garantia de verba e administração decente ao futuro estado, quando sabemos da imagem tão desgastada, e de atuação desvirtuada, seja no Executivo ou Legislativo? É uma proposta que carece de um fato bem mais convincente, para justificar tamanha empreitada.
Alguns programas de menores amplitudes e urgentes serão bem mais úteis aos municípios daquela região, tais como: criação de cooperativas para produção alimentícia, a partir dos frutos sazonais, o que fixaria nossos conterrâneos em suas cidades de origem, garantindo-lhes a sobrevivência com dignidade; incremento de projetos turísticos, pois cada município detém pelo menos um atrativo turístico, potencialmente rentável; projeto Aluno Escritor, objetivando revelar talentos literários entre jovens alunos, despertando-lhes o interesse pela leitura e elevando-lhes a autoestima, uma vez que seus textos serão publicados em livros e divulgados em ambiente escolar e na comunidade de sua cidade. Aqui em Brasília, implantamos e executamos aquele projeto, com resultado altamente positivo. Instalar um programa similar à Mala do Livro, a exemplo do que funciona aqui em Brasília, objetivando levar o livro às residências da população com menor poder aquisitivo, a título de empréstimo, a fim de acessar-lhe o conhecimento e fortalecer sua cidadania, o que naturalmente contribuirá para melhorar a imagem de nosso estado pelo Brasil afora.
O momento exige mais mudança de mentalidade e mais compromisso dos deputados legisladores e executivos municipais que a fragmentação do estado, com o que perderia sua identidade, sedimentada por quatro longos séculos, com muita luta e derramamento de sangue.
É bom trazer para reflexão de todos nós o princípio que norteou a luta abnegada do Marechal Cândido Rondon pela pacificação, emancipação indígena e pela instalação das comunicações às regiões inóspitas do Brasil, especialmente a Amazônica: amor, por princípio, a ordem, por base e o progresso, por fim. E por máxima virtude, “viver para outrem”. À hora da morte, em 1958, segurando a mão do antropólogo, indigenista e educador Darcy Ribeiro, Cândido Rondon deixou-nos esta auspiciosa mensagem: Creio que, ao lado das forças egoístas, existem no coração do homem tesouros de amor que a vida em sociedade sublimará cada vez mais.
Creio (...) que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas desfavorecidas, para que se elevem, para que se possam incorporar à Sociedade.
Prezado conterrâneo Jesualdo, reconheço sua trajetória de cidadão progressista e homem público correto e de escritor competente, mas já fui violentado uma vez com a perda da minha cidade original, Guadalupe, engolida pela represa da Hidroelétrica de Boa Esperança. Não gostaria de sofrer outra, com a perda da denominação do meu estado, que nos viu nascer e nos acolheu, a nós guadalupenses.
Deixem quieto o nosso delicado estado. Ele não necessita ser fragmentado, mas, ao contrário, consolidado em sua una e inteireza concepção geográfica e geométrica. Salvo engano, ele é o 10° menor estado do Brasil em território. Dividi-lo só vai diminuí-lo, sob todos os aspectos.
Brasília, novembro de 2009.
Ronaldo Alves Mousinho - Escritor. E-mail: ronmousinho@yahoo.com.br

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