Parti, eu, uma meia dúzia de brasileiros e alguns colegas de diversas nacionalidades, do prédio centenário do Instituto Goethe, em Göttingen, localizado na Merkelstrasse 4, em direção à nova prefeitura. Era já abril, de uma linda primavera, mas ainda fazia frio. Ao menos, para quem vinha abaixo da linha do equador. Tinha ouvido falar de um leilão, que a prefeitura, de quando em vez, realizava, de bicicletas usadas. Seria uma ótima oportunidade de adquirir uma, a bom preço, e conhecer, então, a cidade de Göttingen. Saí do porão do lindo prédio, onde havia inúmeras máquinas de café, chocolate e outras guloseimas. Cruzei o grande salão com piso de madeiras e lareira ao fundo. Salão reservado para as grandes solenidades, como concertos e excepcionalmente uma quadrilha de São João, organizada por mim e outros brasileiros. Mas, isso já é uma outra estória... No leilão, vendo aquelas centenas de bicicletas, imaginei-me conhecendo um monte de lugares vistos nas fotos de Göttingen. A famosa Gänseliesel, em frente à velha prefeitura. A praça Wilhem e a Universidade. O observatório de estrelas, local de trabalho do genial Carl Friedrich Gauß. O grande moinho, no canal do Leine. O Junges Theater, encontro de gente alegre e festeira. A torre de Bismark, alcançada pelas trilhas da floresta. O lago Kies, ao sul de Göttingen. E muitos e muitos outros lugares. Todos esses pensamentos passavam em segundos na minha mente, como passavam os lances do leilão. E aí até entender, processar na mente e traduzir os números ditos em alemão, já tinham sido feitos, no mínimo, mais dois ou três outros lances. Explicando: para se falar “vinte e cinco” em alemão, diz-se “cinco e vinte”. Resultado: nenhum de nós conseguiu comprar bicicleta alguma. Fiquei imensamente triste e já quase indo embora, ouvi alguém, que havia adquirido uma bicicleta, levantar a mesma e gritar algumas palavras a mim incompreensíveis. Daí, um outro alemão, meio em tom de brincadeira, gritou “um centavo”, o que consegui entender. Como num impulso, gritei, em seguida: “dez marcos”. Como ninguém mais se pronunciou, o dono da bicicleta veio falar comigo. Com grande esforço compreendi que havia arrematado a bicicleta e que a mesma tinha apenas um pequeno defeito: um ponto no quadro estava quebrado e precisava de uma pequena solda, coisa simples, pensei. O restante aparentava bom estado de conservação. Em seguida, percorri, empurrando a bicicleta, a cidade quase toda, à procura de uma oficina que a consertasse. Fui informado nessa busca, que havia uma loja próxima à estação principal de trem. Ao chegar mostrei, todo orgulhoso, a bicicleta que tinha comprado, e perguntei da possibilidade de conserto. Qual não foi minha surpresa, quando o dono da loja falou em alta voz: “Müll, total kaputt!”. Não conseguia entender como uma bicicleta quase nova, tinha que ir para o lixo. Pensei em todas as crianças pobres do Brasil. Só descobri a resposta quando vi que o lojista tinha algumas bicicletas usadas para vender. Perguntei o preço de uma que me pareceu interessante. Custava trinta marcos. Comprei-a, então, e deixei a outra “de presente” na loja. Com certeza, o destino imediato dela não foi o lixo. Depois, de posse da bicicleta pude conhecer todos aqueles lugares vistos nos cartões postais, além, é claro, de compreender melhor o significado da expressão: “Müll, total kaputt!”.
(Marcos Airton de Sousa Freitas, Brasília, 30.07.2006).
Publicado em: Foi Legal! Lembranças de ex-bolsistas na Alemanha, DAAD, Rio de Janeiro, Setembro de 2006.
Tuesday, September 19, 2006
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1 comment:
é maravilhoso poder percorrer esse mundo e vivenciar outras culturas... bjo!
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